São Paulo, segunda-feira, 03 de maio de 2004

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TERRA DE GELO

Raptados, mortos e descritos como gigantes, bonitos, abomináveis e miseráveis, nativos foram extintos

Índios da região só sobrevivem na memória

DO ENVIADO ESPECIAL À PATAGÔNIA

O "fim da Terra", como se chamava essa margem do mundo, foi por muito tempo invenção dos cartógrafos. Antes da expedição de Fernão de Magalhães, acreditava-se que uma barreira de terra, de pólo a pólo, impedisse a passagem para as Índias.
Depois de Magalhães, alguns mapas mostram a "Terra Australis Incógnita", um imaginário continente abaixo do estreito de Magalhães, considerado, na época, a única fresta entre o oceano Atlântico e o Pacífico. Em 1578, Francis Drake, corsário a serviço da coroa inglesa, levado por ventos adversos, desceu a costa chilena até 56 de latitude e viu que o tal continente não existia.
Mas foi preciso esperar quase 40 anos para que os holandeses Schouten e Le Maire atestassem que a Terra do Fogo é uma ilha e que o Atlântico e o Pacífico se encontram abaixo do cabo Horn, a cerca de 1.000 km da Antártida.
O último grande explorador das solitudes austrais foi um padre italiano salesiano fotógrafo e documentarista. Alberto Maria De Agostini chegou a Punta Arenas como missionário em 1910.
A cidade era um porto comercial obrigatório para os navios que iam de um oceano ao outro.
Por quase 30 anos, De Agostini batizou glaciais, escalou montanhas e sobretudo entrou em contato com os índios. Os yamanas, selknans, alacalufs, haushs e tehuelches viviam ali havia séculos.
Em seu relato, Antonio Pigafetta, companheiro de viagem de Magalhães, descrevera os nativos como gigantes. Darwin se surpreendia com a "diferença entre o homem civilizado e o selvagem". Para ele, os índios eram "as mais abomináveis e miseráveis criaturas". Francis Fletcher, chapelão que viajara com Drake 250 anos antes, havia os descrito como "bonitos e inofensivos".
Seja como for, De Agostini conquistou a amizade de Pacheco, chefe dos selknans e, graças a ele, fotografou e filmou a vida e as cerimônias desse povo.
Com as doenças e os fuzis dos colonos, os nativos refugiaram-se na memória. A mitologia melancólica acompanha as culturas extintas, lembradas em museus, nomes de ruas e fotos impressas em mesas de bares ou laterais de ônibus. (VINCENZO SCARPELLINI)


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