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ÚLTIMA CHANCE
Cápsula do tempo, Havana vive espera por mudanças
Isolada do mundo e com ritmo próprio, capital de Cuba imerge visitante em diversão e reflexão social
DA ENVIADA ESPECIAL A CUBA
Abstraia o tempo. A primeira
impressão que se tem ao desembarcar em Cuba é que ali
ele paira em suspenso. Nos relógios, no calendário e principalmente na vida das pessoas.
A "ilha do dia anterior", como
a chamou o jornalista e escritor
americano Jon Lee Anderson,
tem ritmo próprio, encapsulada numa época que já não há.
Os anos de triunfo da revolução -aquelas duas décadas que
seguiram a tomada do poder
por Fidel Castro, em 1959- estão cristalizados sobretudo na
capital. Nos museus de um nacionalismo quase ingênuo (o
Museu da Revolução, apesar do
quê de feira de ciências escolar,
explica muito sobre o país). Nas
praças repletas de livreiros com
suas conversas cheias de política e história.
Nas escolas de portas abertas
para as ruas para que os transeuntes vejam que tipo de educação estão recebendo os pequenos cubanos. Nos carros rabo-de-peixe que desafiam incólumes a era dos bens descartáveis. Nas ruas de paralelepípedos e casas recém-pintadas
num impulso para atrair mais
turistas nos últimos dez anos
convivendo ao lado de cortiços
dos quais saem crianças aos
borbotões e onde adultos comentam o último capítulo da
novela (brasileira). E na conversa das pessoas.
Da mesma forma, estão cristalizadas aí as misérias advindas da combinação do embargo
econômico imposto pelos EUA
com o colapso soviético no início dos anos 90 (vinha da ex-URSS a principal injeção de recursos para o país). Mazelas
condensadas pelo isolamento
do mundo que o regime impõe
aos cubanos, sem referencial
do que é melhor e do que é pior
que a vida que levam.
Reticências
Da atmosfera decadente dos
bares e restaurantes de Centro
Havana e dos cortiços que observam o mar no Malecón, o
calçadão que cobre boa parte da
orla da cidade, aos casarões coloniais de Havana Velha com
suas ruas estreitas lotadas de
turistas, tudo parece em compasso de espera por uma mudança iminente. Tudo parece
suspenso. Tudo parece na iminência de se dissipar.
As frases que saem das conversas com habaneros terminam invariavelmente em reticências. Eles dizem que, uma
vez morto Fidel, nada, ou muito
pouco, mudará em suas vidas.
Mas é difícil crer, por exemplo, que a fábrica de charutos
Partagás, fincada no centro da
cidade e aberta à visitação, continuará a usar exclusivamente
seu modo de produção artesanal, onde cada um dos "puros" é
confeccionado por uma mesma
pessoa, da escolha das folhas de
tabaco à colocação do anel com
a logomarca. A visita é elucidativa não só pelo prazer de ver a
produção do mais célebre produto do país (ao lado do rum),
mas pela conversa com o guia.
Alfredo, na casa dos 40 anos,
formado em marketing, topa
conversar após encerradas as
explicações sobre charutos.
"Estão todos esperando uma
mudança. Mas será uma mudança lenta, como tudo em Cuba. Talvez uma abertura comercial como a chinesa. Mas
não na estrutura do poder", diz,
olhar atento a quem o ouve.
O guia -como taxistas e funcionários de hotéis- é o que
pode ser chamado de uma
"classe média" cubana. Sim, ela
existe, e vive no arborizado
bairro de Vedado, com seus cinemas, sorveterias e clubes de
jazz, onde as casas são espaçosas e sofisticadas, mas parece
não terem sofrido uma reforma
desde os anos 50.
Os bairros mais ao norte,
mais modernos, com seus hotéis recém-construídos de redes internacionais, experimentam com mais força ainda o impacto desse miniboom. Restaurantes e clubes mais sofisticados, carros de luxo, casas novas
e um pequeno grupo de cubanos que convive mais com os
estrangeiros do que com seus
conterrâneos.
Ganham dinheiro graças à
indústria turística, com seus
"pesos conversíveis". Um peso
conversível equivale hoje a um
euro, ou a 26 pesos cubanos -a
"divisa nacional" que os cubanos recebem no contracheque
e usam para pagar a comida e os
produtos do dia-a-dia (salário
mínimo: 260 pesos).
Os pesos conversíveis são para turistas e também para os
cubanos que quiserem comprar produtos mais sofisticados
ou entrar em um clube ou danceteria da moda. Como ficará
essa dupla economia quando
não houver mais o comandante
é uma incógnita.
(LUCIANA COELHO)
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