São Paulo, quinta-feira, 05 de julho de 2007

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ACESSIBILIDADE

Londres tenta se adequar a turista cadeirante

Acesso é quase total, mas a dimensão de algumas estações de metrô mais antigas impediu a adaptação

Divulgação/VisitLondon
Grande pátio do British Museum reformado pelo arquiteto inglês Norman Foster em 2000


MAURICIO PARONI
ESPECIAL PARA A FOLHA,
EM LONDRES

Se não fosse dramaticamente desrespeitoso, deveria ser vendido um pacote de viagem a Londres em uma cadeira de rodas ao público em geral.
É uma aventura cinematográfica, um longo plano-seqüência em um dolly (a cadeirinha de filmagem).
Sonho impossível do que pretendia Paris, emana hoje de Londres uma energia cultural palpável em todos os cantos.
Não há cidade no mundo que proporcione essa acumulação real de imagens: os monumentos são muitos -e acessíveis.
Paris, com seus obstáculos urbanos, o mundo excessivamente virtual de Tóquio, ou Roma e sua falta de preparo para acolher cadeirantes -comparável à de São Paulo- ficam atrás, apesar dos monumentos.
Londres oferece a cadeirantes chave para banheiros reservados. Há acesso para barcos turísticos pelo Tâmisa. Facilidades assim são a expressão da mentalidade que promoveu a invenção da privacidade, operada na Revolução Industrial.
A Inglaterra continua a ser pioneira na inclusão de deficientes. O "Disability Discrimination Act", uma espécie de estatuto para equipamentos e preferência a deficientes, opera desde 1995. Isso merece ser conferido na legislação. Está escrito: "É ilícito que um fornecedor de serviços discrimine o portador de deficiência física".
Mas verificar na prática o estatuto é melhor ainda. A aventura começa a ser planejada com a ajuda do site que busca resolver problemas de acesso: www.visitlondon.com/city_guide/accessible_london.

Inclusão
A começar pelos transportes públicos, não há ônibus sem acesso para cadeiras de rodas. Todas as linhas de metrô que permitiam modificações foram adaptadas. Muitas continuam inacessíveis, por causa da idade e da dimensão de seus túneis.
O projeto é chegar a pelo menos 90% de acessibilidade. O site do metrô (www.tfl.gov.uk/tube) diz quais linhas e estações têm acesso universal.
Não há uma casa de espetáculos sem acessibilidade. No Globe Theatre (www.shakespeares-globe.org/theatre), o lugar mais barato é o melhor para o cadeirante. Na Royal Opera House (info.royaloperahouse.org), há espaços para deficientes em quase todas as galerias. Banheiros são impecáveis. Dica: aproveite ao máximo os banheiros, pois eles nem sempre estão próximos.

Museus
Visite várias vezes a National Gallery, em Trafalgar Square, gratuita como a maioria dos museus londrinos. Isso permite que se aprecie singularmente o seu acervo, livre da neurose de ter que ver tudo de uma vez.
Admire as salas dos pintores pré-rafaelitas -integrantes de movimento do século 19 que buscava retomar valores dos primeiros renascentistas, antes de Rafael- e de William Turner (1775-1851) para se educar nas cores que fizeram o céu da cidade ficar famoso.
Em seguida, vá à vizinha National Portrait Gallery (www.npg.org.uk; em St. Martin's place) para acostumar o olhar às nuances dos tipos humanos.

A céu aberto
Depois, para começar o passeio lá fora, suba pela Leicester square, caminhe pelo Soho, saboreie "fish and chips", cruze o Covent Garden Market -há ali o London Transport Museum (www.ltmuseum.co.uk) e o Theatre Museum (www.vam.ac.uk/ tco)- e desça de volta à Trafalgar square pela Charing Cross road.
Vá aos sebos da Charing Cross road. Para entrar é preciso tocar a campainha. O dono abre a porta e coloca uma rampa sobre os degraus. E assim é travado o contato com o livreiro, antes do contato com os livros -o melhor caminho para não se perder por prateleiras.

Mais museus
A Tate Modern (www.tate.org.uk; em Bankside, ao sul do Tâmisa), além do espetacular acervo de arte moderna e contemporânea, possui a melhor livraria sobre o gênero que se pode encontrar na Europa, a Turbine Hall. Já a Tate Britain (em Milbank) tem o melhor acervo de obras de Turner.
Visitar várias vezes o British Museum (www.thebritishmuseum.ac.uk; Russel street) ou o Victoria and Albert (www.vam.ac.uk; Cromwell road) traz vantagens imensas: monumentos e objetos cotidianos da história estão ao alcance de uma cadeira de rodas.
Eles não substituem uma ida ao Partenon, na Grécia, mas o melhor de suas esculturas está ali, organizado de forma didática e literalmente acessível.
Uma cadeira de rodas na Acrópole é tratada como um trambolho. Nas galerias lisas do British Museum, ela se torna o mais eficiente meio para admirar a obra do escultor Fídias (c.500 a.C. - c.432 a.C).
O museu consente que o visitante segure obras do acervo nas mãos, sob a orientação de um arqueólogo. Basta procurar, do lado do acervo de arte romana, a placa "Hands On", todos os dias, das 11h às 16h.
Há a polêmica sobre grande parte do acervo do British Museum ser fruto da pilhagem feita pelo Império Britânico no século 19.
A posição oficial do governo britânico é a de que ele está ao alcance de todos. O tratamento dado aos deficientes ali ajuda a legitimar essa posição. Dificilmente a Acrópole poderia garantir essa acessibilidade.

Torre
Um bom descanso no restaurante situado no grande pátio do British Museum introduz o visitante à sede da eternização monumental da era Tony Blair, por mãos de seu mais famoso arquiteto, Norman Foster -o escritório Foster+Partners (www.fosterandpartners.com) reformou, em 2000, o grande pátio do museu.
Foster também projetou o Gherkin, estranho edifício de 50 andares no coração da City, que causou grande impacto na paisagem do centro da cidade.
Não é novo o fato de construções serem instrumento de exibição de poder, mas isso levou a prefeitura a autorizar edificações do tipo só no extremo leste, lugar então decadente, hoje cheio de arranha-céus de vidro e alumínio: Canary Wharf. O acesso pela linha cinza do metrô, a Jubilee Line, incentiva um passeio por ali.
A mesma linha de metrô nos leva a encerrar o imenso plano-seqüência com a visita ao Parlamento e à abadia de Westminster, num percurso inverso do centro do poder financeiro ao centro do poder político e religioso do Reino Unido.


Maurício Paroni de Castro , 46, diretor de teatro, é graduado pela Faculdade de Direito da USP e em arte dramática pela escola Paolo Grassi/Piccolo Teatro, de Milão (Itália)


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