|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Estátuas habitam grutas há 1.500 anos e têm mesma idade daquelas destruídas pelo Taleban em 2001
Budas lembram extintos "primos" afegãos
NA CHINA
Em março de 2001, o mundo assistiu perplexo à implosão dos
Budas de Bamiyan -entre eles o
maior Buda em pé do mundo,
com 53 metros de altura-, construídos há 1.500 anos na encosta
de um vale do Afeganistão.
As estátuas foram dinamitadas
por ordem do Taleban, milícia extremista islâmica que na época
controlava o país, sob o argumento de que o islamismo proíbe a
adoração de ídolos.
Meses depois, o Taleban também veio abaixo. Acusado de dar
abrigo ao terrorista saudita Osama Bin Laden -que admitiu, em
vídeo, participação nos atentados
contra Nova York e Washington-, o grupo foi desalojado do
poder nos primeiros meses da intervenção militar dos Estados
Unidos no Afeganistão.
Os Budas de Bamiyan viraram
pó, mas as grutas de Yungang, em
Datong (norte da China), também possuem preciosos exemplos da arte budista desenvolvida
na Ásia há cerca de 1.500 anos, período de grande expansão da religião no continente.
Datong (situada a uma noite de
trem de Pequim) foi capital da dinastia Wei do Norte, que dominou o norte da China entre 386
d.C. e 534 d.C.
Budistas fervorosos, seus governantes mandaram escavar, numa
das faces de uma montanha de
arenito, cerca de mil cavernas e as
decoraram com mais de 50 mil estátuas e pinturas.
As grutas começaram a ser feitas em 453 d.C. e foram concluídas quase cem anos depois. Aproximadamente 40 mil trabalhadores participaram da escavação e
da decoração, muitos vindos de
outras regiões da rota da Seda, como Índia, Afeganistão e outros
países da Ásia Central.
Por esse motivo, imagens e pinturas revelam forte influência de
outras culturas. Motivos de inspiração grega (tridentes e folhas de
acanto), símbolos persas (leões e
armas) e representações de divindades hindus (Shiva e Vishnu)
misturam-se a dragões e outros
desenhos tipicamente chineses.
A diversidade de influências
também é flagrante nas feições de
algumas estátuas, no estilo de
suas roupas etc. Algumas, por
exemplo, têm o nariz reto típico
dos povos caucásios, outras têm
feições hindus ou orientais.
Embora as grutas originalmente
se estendessem por uma área de
cerca de 15 km, a área aberta para
visitas atualmente é de cerca de 1
km e inclui em torno de 50 cavernas. Elas estão incrustadas na encosta de uma formação rochosa
amarelada, de frente para um vale
rico em minas de carvão e, consequentemente, bastante explorado
nas últimas décadas.
Arte e história
Basta, no entanto, dar os primeiros passos no sítio arqueológico para mergulhar em uma outra época, em uma outra dimensão. Dentro das cavernas frias e silenciosas, isoladas do mundo lá
fora, respira-se arte e religião, história e misticismo.
Ao entrar no complexo, o visitante depara-se com uma fachada
de madeira decorada com máscaras de demônios e animais em
tons de azul e verde.
A fachada está sobreposta à
montanha e a cobre de alto a baixo. Embora date de 1652, é similar
às que escondiam a maior parte
das entradas das grutas e que desapareceram com o tempo.
Ao atravessar a porta, entra-se
na gruta número 6, uma das mais
bonitas de todo o complexo. Trata-se de um amplo salão quadrado, com um pilar central bastante
largo inteiramente esculpido com
imagens de Buda e de outras entidades religiosas.
As quatro paredes em volta estão cobertas de murais retratando
episódios da vida de Siddhartha
Gautama, fundador do budismo.
Percorrer a gruta admirando as
sombras lançadas pelas estátuas
sobre as paredes repletas de desenhos coloridos é uma experiência
única. E uma excelente introdução ao complexo mundo da filosofia e da religião budistas.
Bem ao lado, está a caverna 5,
em cujo interior há uma estátua
de Buda sentado com 17 metros
de altura. Seu rosto, de feições extremamente suaves, pintado de
dourado e com os cabelos azuis e
lábios vermelhos, destaca-se, à
meia-luz, contra o fundo azul
profundo das paredes e do teto.
As grutas 1 a 4, situadas à direita
(para quem olha para a montanha) das descritas acima, são menos espetaculares. Do lado esquerdo, há as cavernas 7 e 8, conectadas por um arco e também
forradas de estátuas e de pinturas.
Repare nas imagens de Shiva e
Vishnu, divindades hindus aqui
caracterizadas com traços chineses, na entrada da gruta 8.
As cavernas seguintes, especialmente as de número 9, 10 e 12, têm
imagens e desenhos em menor escala, mas com uma riqueza de detalhes que, em alguns momentos,
lembra o estilo barroco.
É o caso, por exemplo, das
crianças que voam tocando instrumentos musicais, uma imagem que remete diretamente aos
anjos tão presentes nas igrejas
cristãs ocidentais.
Finalmente, há as cavernas 16 a
20, as mais antigas e menos decoradas, mas que possuem impressionantes estátuas, algumas de
grandes proporções.
Entre elas está um Buda de 14
metros de altura situado diante da
gruta número 20, praticamente ao
ar livre. É a imagem mais fotografada de Yungang e a que mais
lembra os Budas de Bamiyan, que
uma vez existiram no Afeganistão.
(OTÁVIO DIAS)
Texto Anterior: Mesquita rompe tradição islâmica Próximo Texto: Reflexo na água dá vida a dragões de porcelana Índice
|