São Paulo, segunda-feira, 05 de agosto de 2002

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Estátuas habitam grutas há 1.500 anos e têm mesma idade daquelas destruídas pelo Taleban em 2001

Budas lembram extintos "primos" afegãos

NA CHINA

Em março de 2001, o mundo assistiu perplexo à implosão dos Budas de Bamiyan -entre eles o maior Buda em pé do mundo, com 53 metros de altura-, construídos há 1.500 anos na encosta de um vale do Afeganistão.
As estátuas foram dinamitadas por ordem do Taleban, milícia extremista islâmica que na época controlava o país, sob o argumento de que o islamismo proíbe a adoração de ídolos.
Meses depois, o Taleban também veio abaixo. Acusado de dar abrigo ao terrorista saudita Osama Bin Laden -que admitiu, em vídeo, participação nos atentados contra Nova York e Washington-, o grupo foi desalojado do poder nos primeiros meses da intervenção militar dos Estados Unidos no Afeganistão.
Os Budas de Bamiyan viraram pó, mas as grutas de Yungang, em Datong (norte da China), também possuem preciosos exemplos da arte budista desenvolvida na Ásia há cerca de 1.500 anos, período de grande expansão da religião no continente.
Datong (situada a uma noite de trem de Pequim) foi capital da dinastia Wei do Norte, que dominou o norte da China entre 386 d.C. e 534 d.C.
Budistas fervorosos, seus governantes mandaram escavar, numa das faces de uma montanha de arenito, cerca de mil cavernas e as decoraram com mais de 50 mil estátuas e pinturas.
As grutas começaram a ser feitas em 453 d.C. e foram concluídas quase cem anos depois. Aproximadamente 40 mil trabalhadores participaram da escavação e da decoração, muitos vindos de outras regiões da rota da Seda, como Índia, Afeganistão e outros países da Ásia Central.
Por esse motivo, imagens e pinturas revelam forte influência de outras culturas. Motivos de inspiração grega (tridentes e folhas de acanto), símbolos persas (leões e armas) e representações de divindades hindus (Shiva e Vishnu) misturam-se a dragões e outros desenhos tipicamente chineses.
A diversidade de influências também é flagrante nas feições de algumas estátuas, no estilo de suas roupas etc. Algumas, por exemplo, têm o nariz reto típico dos povos caucásios, outras têm feições hindus ou orientais.
Embora as grutas originalmente se estendessem por uma área de cerca de 15 km, a área aberta para visitas atualmente é de cerca de 1 km e inclui em torno de 50 cavernas. Elas estão incrustadas na encosta de uma formação rochosa amarelada, de frente para um vale rico em minas de carvão e, consequentemente, bastante explorado nas últimas décadas.

Arte e história
Basta, no entanto, dar os primeiros passos no sítio arqueológico para mergulhar em uma outra época, em uma outra dimensão. Dentro das cavernas frias e silenciosas, isoladas do mundo lá fora, respira-se arte e religião, história e misticismo.
Ao entrar no complexo, o visitante depara-se com uma fachada de madeira decorada com máscaras de demônios e animais em tons de azul e verde.
A fachada está sobreposta à montanha e a cobre de alto a baixo. Embora date de 1652, é similar às que escondiam a maior parte das entradas das grutas e que desapareceram com o tempo.
Ao atravessar a porta, entra-se na gruta número 6, uma das mais bonitas de todo o complexo. Trata-se de um amplo salão quadrado, com um pilar central bastante largo inteiramente esculpido com imagens de Buda e de outras entidades religiosas.
As quatro paredes em volta estão cobertas de murais retratando episódios da vida de Siddhartha Gautama, fundador do budismo. Percorrer a gruta admirando as sombras lançadas pelas estátuas sobre as paredes repletas de desenhos coloridos é uma experiência única. E uma excelente introdução ao complexo mundo da filosofia e da religião budistas.
Bem ao lado, está a caverna 5, em cujo interior há uma estátua de Buda sentado com 17 metros de altura. Seu rosto, de feições extremamente suaves, pintado de dourado e com os cabelos azuis e lábios vermelhos, destaca-se, à meia-luz, contra o fundo azul profundo das paredes e do teto.
As grutas 1 a 4, situadas à direita (para quem olha para a montanha) das descritas acima, são menos espetaculares. Do lado esquerdo, há as cavernas 7 e 8, conectadas por um arco e também forradas de estátuas e de pinturas. Repare nas imagens de Shiva e Vishnu, divindades hindus aqui caracterizadas com traços chineses, na entrada da gruta 8.
As cavernas seguintes, especialmente as de número 9, 10 e 12, têm imagens e desenhos em menor escala, mas com uma riqueza de detalhes que, em alguns momentos, lembra o estilo barroco.
É o caso, por exemplo, das crianças que voam tocando instrumentos musicais, uma imagem que remete diretamente aos anjos tão presentes nas igrejas cristãs ocidentais.
Finalmente, há as cavernas 16 a 20, as mais antigas e menos decoradas, mas que possuem impressionantes estátuas, algumas de grandes proporções.
Entre elas está um Buda de 14 metros de altura situado diante da gruta número 20, praticamente ao ar livre. É a imagem mais fotografada de Yungang e a que mais lembra os Budas de Bamiyan, que uma vez existiram no Afeganistão. (OTÁVIO DIAS)


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