São Paulo, quinta-feira, 09 de junho de 2011

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Conheça Curitiba pelo caminho das pegadas literárias

Dalton Trevisan é o escritor mais identificado com a cidade e pinta a capital paranaense com cores outonais

Vampiro de Curitiba sempre morou no bairro Alto da Quinze, e tinha o hábito de passear sob as marquises do calçadão

OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Escritores não costumam ser os melhores guias turísticos das cidades onde vivem.
Dificilmente alguém se sentiria inclinado a visitar Londres, São Petersburgo ou São Paulo a partir dos cenários por onde perambulam os personagens de Charles Dickens, Fiódor Dostoiévski e Reinaldo Moraes.
A comunidade literária curitibana não foge à regra.
Dalton Trevisan, o escritor mais identificado com a cidade, a pinta com cores outonais: "Curitiba é uma boa cidade se você for a pedra solta na rua, o galho seco de árvore, a pena de pardal soprada ao vento".
E, no entanto, os escritores, ao darem identidade aos lugares que frequentam, os tornam alvo do interesse do visitante que quer ir além do ponto turístico mais óbvio.
Assim, como há um Rio de Janeiro de Machado de Assis, o Bruxo do Cosme Velho, há também, guardadas as proporções, a capital paranaense de Dalton Trevisan, o Vampiro de Curitiba.
A alcunha tem origem no título de um livro desse autor recluso, que na semana que vem faz 86 anos. Se o apelido colou em sua biografia é porque traduz algo do espírito de sua literatura, marcada por tons macabros.
Mas esse não é um vampiro avesso à luz do dia. Há, no centro da cidade, um itinerário de Dalton Trevisan, que, algum tempo atrás, passava pela tradicional, e hoje extinta, confeitaria Schaffer.
Trevisan sempre morou ali por perto, no bairro Alto da Quinze, e costumava passear pelo calçadão da rua Quinze de Novembro, sob as marquises que protegem o transeunte da chuvinha frequente.
O visitante atrás da cultura local deve apenas seguir os passos de Trevisan. Uma caminhada o levará à livraria do Chain, na rua General Carneiro, ou ao teatro Guaíra, em cujo pórtico há um painel em concreto do artista plástico Poty Lazzarotto (1924-1998), ilustrador de vários livros de seus conterrâneos.
A Curitiba de Trevisan aparece em narrativas de vários contemporâneos, como Cristovão Tezza, o premiado autor de "O Filho Eterno".
Ela está presente sobretudo em "Chá das Cinco com o Vampiro", de Miguel Sanches Neto, um ex-pupilo que sofria com o "efeito paralisante" do mestre, e dele se vingou com esse romance.
Trata-se de um "roman à clef", em que pessoas reais são identificadas por nomes fictícios. Trevisan, por exemplo, se chama Geraldo Trentini, enquanto o jovem Beto, o outro protagonista, é o próprio Sanches.
Eles circulam por uma cidade em que a rua Quinze -o "centro maquiado de Curitiba", nas palavras de Sanches- é o polo irradiador da literatura paranaense. Lá estão também o crítico Wilson Martins (morto em 2010, e que no romance aparece como Valter Marcondes) e o escritor Paulo Leminski, citado pelo nome próprio.
Sanches, nascido no interior do Estado, lança sobre Curitiba um olhar estrangeiro. O que primeiro lhe chamou a atenção foi o sotaque.
"Quando [uma loira] falou com o motorista, marcando bem os "es" e "os" no final das palavras, percebi que era de Curitiba."
A integração de Sanches passou pela adoção da indumentária local. "No primeiro mês, comprei uma capa de náilon e um guarda-chuva.
Já podia me considerar um legítimo curitibano."
O turista que pegar chuva deve aproveitar. Melhor do que flanar pelas artérias de Curitiba é fazê-lo a caráter.

OSCAR PILAGALLO, jornalista, é autor de, entre outros livros, "Folha Explica Roberto Carlos" (Publifolha)


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