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São Paulo, segunda-feira, 10 de fevereiro de 2003

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FERNANDO GABEIRA

Três refeições por dia e oito horas de sono

Numa dessas noites de verão, acordei sobressaltado. O coração disparou, e os pulmões puxaram o ar com uma ânsia de afogado. Sonhei que não conseguia respirar e custei a emergir na escuridão do quarto.
O que seria isso, pensei? Fui à internet pesquisar sobre problemas do sono e me defrontei com um novo mundo. Pensei que estava sofrendo de apnéia do sono, uma doença que ataca cerca de 10% dos homens de minha faixa de idade. O quadro da doença é meio assustador. Ela mata com o tempo porque as pessoas perdem o ar e o recuperam inúmeras vezes durante uma noite.
A doença força o coração, além de ser responsável por inúmeros quadros de pressão alta e derrame. Sem contar o fato de que seus portadores são forçados a cochilar inúmeras vezes durante o dia. Nos Estados Unidos, a doença é a segunda responsável pelos acidentes de trânsito, com os motoristas cochilando ao volante.
O segundo passo era descobrir o que havia no Brasil para diagnosticar e tratar doenças do sono. Comecei pessimista, mas acabei encontrando o serviço da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), do hospital Albert Einstein e do Sleep - Laboratório dos Distúrbios do Sono, aqui no Barra Shopping, no Rio. Todos bem equipados e atualizados sobre as últimas descobertas científicas no ramo.
Já existe hoje a possibilidade de mapear o sono com uma noite no laboratório e também existe uma pequena máquina que, aplicada ao nariz, possibilita à pessoa ter um sono profundo e reparador.
O único problema é que os planos de saúde e o próprio governo não a financiam, preferindo pagar cirurgias, que, na maioria esmagadora dos casos, não resolvem o problema.
Essa rápida passagem pelos laboratórios do sono, onde constatei que não sofria de nada, exceto de ansiedade pelo momento histórico e pessoal, aproximou-me das pessoas que realmente sofrem de apnéia do sono ou mesmo de insônia pura e simples. Só quem dorme mal algumas noites pode imaginar o que isso significa em termos de perda de concentração, irritabilidade e tristeza.
Duas vertentes me interessam agora. Uma é fortalecer a medicina do sono no Brasil, que já tem nível internacional, a outra é estimular uma discussão preventiva sobre a higiene do sono.
Vivemos numa sociedade que rouba sono. Perdido entre inúmeros textos diferentes, sites e documentários na televisão, eu costumava tomar oito cafés por dia. Também dormia assistindo a um último noticiário na TV, cheio de noticias bárbaras que, por sinal, já havia visto durante o decorrer da tarde. Tudo isso contribui para que o sono seja intranquilo ou se perca durante horas preciosas.
Por enquanto vou fazer lobby com meu querido ministro da Saúde, Humberto Costa, que é um excelente psiquiatra, para que avalie a possibilidade de financiamento das pequenas máquinas que podem resolver a vida de milhares de pessoas. E para que o tema "higiene do sono" entre no quadro das campanhas educativas do ministério.
Quem sabe na era pós-Lula, na qual todos teremos três refeições por dia, será possível também garantir oito horas de sono profundo? E a falta de sono, sob alguns aspectos, é pior que a falta de comida. O sono nos vence e nos surpreende em momentos delicados.
Minha proposta é tratar apenas os casos mais frequentes e que realmente contam na vida produtiva. Vejo na revista do "New York Times" como o avanço na pesquisa revela inúmeros outros distúrbios que ignorávamos no passado e começam a ser revelados pela medicina do sono.
Espero que os amigos que se tornaram autoridades na área da saúde compreendam a importância de avançarmos o máximo no Brasil. Muito do que investirmos será economizado através da redução do número de infartos, derrames e desastres automobilísticos, além da recuperação da produtividade individual.
Lembro-me de quando defendíamos o coquetel gratuito para os soropositivos. Havia uma resistência da equipe econômica, e o coquetel acabou economizando dinheiro, com o esvaziamento dos leitos e a redução na compra dos caros remédios contra infecções oportunistas.
Como em todo princípio de governo, nunca se dorme bem por causa do excesso de trabalho. A hora é essa de iniciarmos nossa pequena campanha.



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