São Paulo, segunda-feira, 11 de fevereiro de 2002

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PODER HELVÉCIO

No centro da Europa, nação que desfruta de paisagem alpina decide mês que vem se adere ou não à ONU

Suíça coloca sua neutralidade à prova

PAULO DANIEL FARAH
ENVIADO ESPECIAL À SUÍÇA

Os suíços vão votar no próximo dia 3 de março uma possível adesão à Organização das Nações Unidas (ONU), o que para alguns põe em risco a imagem de neutralidade de que o país desfruta.
O governo da Suíça, formado por uma coalizão de centro-direita e socialistas, vem exortando abertamente os cidadãos a aprovarem a proposta, apesar da oposição de um setor da direita populista. "Chegou a hora de a Suíça se tornar um membro da ONU", afirmou Kaspar Villiger, ministro das Finanças que atualmente ocupa a Presidência rotativa anual da Confederação Helvética, nome oficial do país.
Na opinião de Villiger, a Suíça precisa abandonar qualquer tipo de isolacionismo e compartilhar com outros Estados a tentativa de solucionar problemas contemporâneos, o que, segundo ele, seria "perfeitamente compatível com nosso conceito de neutralidade".
A Suíça e o Vaticano são os dois únicos Estados do mundo que não fazem parte das Nações Unidas, embora ambos tenham status de observador. Apesar disso, a Suíça é um dos principais colaboradores da ONU e integra diversas de suas agências. O país participou e abrigou, após a Primeira Guerra (1914-1918), a Sociedades das Nações, embrião da ONU.
Atualmente, fica em Genebra a sede européia da ONU e uma dezena de agências especializadas dessa organização internacional, como o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) e a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Estrategicamente situada no centro da Europa, a Suíça não é neutra somente quando se trata de exibir belas paisagens emolduradas por montanhas nevadas riscadas por pistas de esqui (leia mais nas págs. F3 e F4).

Maioria a favor
Pesquisas de opinião demonstram que 57% dos suíços aprovam a idéia de adesão à ONU, mas o resultado do referendo ainda não está definido. De acordo com o sistema suíço de democracia direta, integrar a ONU requer não apenas a maioria dos votos dos eleitores como também a aprovação da maioria dos 26 Cantões (Estados) suíços. Em 1986, uma proposta semelhante foi rejeitada.
Atualmente, mais de 10% da população continua indecisa.
O empresário Christoph Blocher, da União Democrata de Centro (UDC, direita), lidera os que se opõem à proposta. Blocher alega que integrar a organização abalaria a neutralidade suíça e o sistema de democracia direta, além de colocar o país à mercê do restrito clube do Conselho de Segurança da ONU, cujo direito de veto (exercido por apenas cinco países) ele descreveu como uma "abominação".
O empresário se destacou na campanha contra a adesão à União Européia (UE). A Suíça também não integra a Otan (aliança militar ocidental, liderada pelos EUA).
Em março de 2001, 76,8% dos suíços rechaçaram qualquer negociação para aderir à UE. Em maio de 2000, 67,2% aprovaram acordos firmados com a organização. Nunca houve um referendo cogitando a possibilidade de uma integração à Otan.
O governo argumenta que a Suíça já participou de missões de paz lideradas pela ONU. Afirma ainda que a adesão só custaria cerca de US$ 42 milhões, enquanto o país doa US$ 280 milhões anualmente a agências das Nações Unidas. Os que pedem "não" ao referendo dizem que a burocracia e as viagens diplomáticas não foram inclusas no cálculo.
Com o respaldo do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Defesa, o presidente diz que a ONU não poderia forçar a Suíça a participar de operações militares ou reduzir sua alegada neutralidade. "Já está mais do que na hora de que os que apresentaram a proposta se dediquem com mais coragem a integrar a ONU -e com argumentos convincentes", comentou o jornal liberal "Tages-Anzeiger".
A comunicação certamente não será um problema caso a Suíça se torne o 190º membro das Nações Unidas. O país tem quatro idiomas oficiais (alemão, francês, italiano e reto-romano), e o monolinguismo é incomum.
Talvez ensaiando para um envolvimento maior com a comunidade internacional, a Suíça permitiu que grupos rebeldes e representantes governamentais do Sudão se reunissem ali, no início do ano, para negociar um cessar-fogo à guerra que já dura mais de 18 anos e que deixou um saldo de ao menos 2 milhões de mortos naquele país africano.
Outro sinal de abertura são as cada vez mais comuns quebras de sigilo bancário no país.

Neonazistas
Um dos fenômenos que preocupam o governo suíço é a participação política de grupos de extrema direita. O Partido Nacional da Suíça (neonazista) já anunciou a intenção de participar das próximas eleições legislativas, no ano que vem. Alguns membros de outro grupo neonazista, o Partido dos Suíços da Orientação Nacional, também vêm tentando entrar em partidos suíços.
A polícia tem o registro de 950 neonazistas (segundo dados do final do ano passado).


Paulo Daniel Farah viajou a convite do Centro Oficial de Turismo Suíço (ST) e da companhia aérea TAM


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