São Paulo, segunda, 11 de agosto de 1997.



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100 ANOS NA JUGULAR
Os judeus, os primeiros cristãos e o islã proibiram a ingestão da iguaria, mas ninguém obedeceu
Sangue tem sabor suave e quase neutro

NINA HORTA
especial para a Folha

Poucos gostam de sangue. Os próprios deuses não devem achá-lo um manjar porque nunca se ouviu dizer que tivessem tocado nas bacias de sangue que piamente lhes ofertamos através dos tempos.
Inocente pergunta. Por quê? O gosto é suave, quase neutro, lembra um pouco o fígado.
As indústrias alimentícias afirmam que o problema principal é a cor, que, de vermelho brilhante, se transforma em marrom.
Uhmmm... Será? Por mim, prefiro o marrom. Detesto aquelas bocas de vampiro de cinema sujíssimas de sangue.
Reparem no Mike Tyson, no seu abraço arquetípico de vampiro. Quem sangra é a vítima.
É o que está por trás, a idéia de sangue é que incomoda.
O Popeye, por exemplo. Se, em vez de comer seu espinafre, virasse de um gole uma latinha de sangue rubro, com teor muito mais alto de proteínas e ferro, seria exilado para a sessão de terror à meia-noite.
Comida para viagem
Agora, tem gente que não dispensa seu sanguezinho. A essência! É preciso um certo cuidado.
Uma população nômade, os massais, tinha dois problemas. Media o status pela número de reses do rebanho e temia que a alma dos animais se fosse com o sangue.
Acharam uma solução brilhante para esses problemas e para o excesso de bagagem nas suas longas viagens. Alimentavam-se sangrando suas bem nutridas vacas e tirando-lhes quatro litros de sangue da jugular a cada duas semanas.
No século 13, o inevitável Marco Polo viu que os mongóis obtinham comida sem prepará-la e sem fogueiras. Um pequeno furo no pescoço do cavalo e glupt, glupt.
Os judeus, os primeiros cristãos e o islã proibiram a ingestão do sangue, mas quem obedeceu?
Em tabletes
Os nórdicos achavam uma pena perder a alma dos animais, queriam é compartilhá-la, e nem com a introdução do cristianismo largaram seus pratos tradicionais feitos com sangue.
Os franceses continuaram agarrados ao seu "boudin noir" e "civets", e os irlandeses elevaram o seu "drisheen" à categoria de comida de restaurante três estrelas.
No Extremo Oriente vende-se sangue coagulado nas feiras para engrossar sopas. Em outros lugares, ele é conservado em camadas, com sal, e vendido em tabletes.
Molho pardo
A Inglaterra vende "black pudding" de metro!
Não é preciso ser um Drácula para encontrar na Suécia e na Finlândia uma mistura pronta para panquecas feitas com sangue, e o "paltbread", ou pão preto, jamais falta nas boas casas do ramo.
No Brasil é bom não esquecer que ao abrir os olhos para a civilização já comemos o bispo Sardinha ao natural, salivando, sem nem ao menos um acompanhamento de favas e um belo chianti.
Nas eleições o prato preferido é uma buchada. A galinha ao molho pardo ou de cabidela tem lá sua vez. E quem precisa de um Drácula quando se tem o chupa-cabra?



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