São Paulo, segunda-feira, 12 de fevereiro de 2001

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FRANÇA GÓTICA

Das torres irmãs até a areia do chão, catedral oferece vasto espaço e história que inspiram peregrinações

Chartres é Idade Média em pedra e vidro

ARTHUR NESTROVSKI
ENVIADO ESPECIAL A CHARTRES

As duas torres se erguem e obrigam o olhar a seguir para cima, até os pontos de fuga. São irmãs muito diferentes: uma é barroca, ornamentada, dividida em seções; a outra, sóbria, um único cone maciço, que se resolve, ao alto, numa modesta cruz de ferro.
Depois dessa ascensão, o olhar vai caindo, devagar, até o esplendor redondo da rosácea. Chartres é considerada a maior catedral gótica da França e um dos mais impressionantes edifícios jamais construídos pelo homem. Do alto das torres até a areia do chão, o percurso é enorme e dá bem a medida da grandeza do espaço em que se vai entrar.
Essa não é, historicamente falando, a igreja original: é a quinta. Uma primeira construção, do século 4º, foi queimada pelo duque de Aquitânia em 743. A segunda foi queimada por piratas dinamarqueses um século depois. A terceira, construída sob as ordens do bispo Gislebert, queimou-se por acidente na noite de 7 de setembro de 1020. Desta terceira igreja, resta ainda uma capela.
Foi são Fulberto, outro bispo de Chartres, quem comandou, a seguir, a construção da grande catedral, auxiliado por reis de toda a Europa. Um incêndio em 1134 danificou parte da estrutura, mas por volta de 1160 a grande torre românica estava pronta, com seu movimento maravilhoso da base quadrada para o cone octogonal, chegando a uma altura de 105 m.
O pórtico de entrada data também do século 12 e sobreviveu, como a torre e a cripta, ao fogo de 1194, que transformou em cinzas o resto inteiro da catedral. O resto inteiro, menos um véu sagrado de Maria: relíquia capaz de inspirar, por si, a construção de outra e mais suntuosa catedral no lugar da antiga. Em apenas 25 anos, já estava pronta a nova igreja. É isto que explica sua unidade de estilo. Não há monumento comparável.
A construção virtualmente inteira, como se vê, tem cerca de 800 anos. Sobre ela se erguem, do passado e do futuro, as duas torres. A torre esquerda foi uma adição do século 16, ultrapassando a altura da torre direita e dando forma, agora com as formas do barroco, ao inultrapassável e sem forma que uma e outra comemoram.
Chartres, para alguns, é motivo de peregrinação religiosa. Desde 1912, quando o poeta Charles Péguy fez o percurso a pé de Paris (88 quilômetros), há quem caminhe neste espírito todos os anos, da capital à catedral.
Mas ir a Chartres, mesmo para os não-religiosos, é no mínimo um destino sonhado: mais do que uma catedral, ela é a Idade Média viva, moldada em pedra e vidro, para benefício das gerações passageiras. Chartres perdura; e não há resposta mais eloquente às inevitabilidades do tempo. Exceto, talvez, as palavras. Como as de Péguy, ou de Proust, que construiu seu romance-catedral inspirado na catedral-romance de Chartres.


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