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FRANÇA GÓTICA
Das torres irmãs até a areia do chão, catedral oferece vasto espaço e história que inspiram peregrinações
Chartres é Idade Média em pedra e vidro
ARTHUR NESTROVSKI
ENVIADO ESPECIAL A CHARTRES
As duas torres se erguem e obrigam o olhar a seguir para cima,
até os pontos de fuga. São irmãs
muito diferentes: uma é barroca,
ornamentada, dividida em seções; a outra, sóbria, um único cone maciço, que se resolve, ao alto,
numa modesta cruz de ferro.
Depois dessa ascensão, o olhar
vai caindo, devagar, até o esplendor redondo da rosácea. Chartres
é considerada a maior catedral
gótica da França e um dos mais
impressionantes edifícios jamais
construídos pelo homem. Do alto
das torres até a areia do chão, o
percurso é enorme e dá bem a
medida da grandeza do espaço
em que se vai entrar.
Essa não é, historicamente falando, a igreja original: é a quinta.
Uma primeira construção, do século 4º, foi queimada pelo duque
de Aquitânia em 743. A segunda
foi queimada por piratas dinamarqueses um século depois. A
terceira, construída sob as ordens
do bispo Gislebert, queimou-se
por acidente na noite de 7 de setembro de 1020. Desta terceira
igreja, resta ainda uma capela.
Foi são Fulberto, outro bispo de
Chartres, quem comandou, a seguir, a construção da grande catedral, auxiliado por reis de toda a
Europa. Um incêndio em 1134 danificou parte da estrutura, mas
por volta de 1160 a grande torre
românica estava pronta, com seu
movimento maravilhoso da base
quadrada para o cone octogonal,
chegando a uma altura de 105 m.
O pórtico de entrada data também do século 12 e sobreviveu, como a torre e a cripta, ao fogo de
1194, que transformou em cinzas
o resto inteiro da catedral. O resto
inteiro, menos um véu sagrado de
Maria: relíquia capaz de inspirar,
por si, a construção de outra e
mais suntuosa catedral no lugar
da antiga. Em apenas 25 anos, já
estava pronta a nova igreja. É isto
que explica sua unidade de estilo.
Não há monumento comparável.
A construção virtualmente inteira, como se vê, tem cerca de 800
anos. Sobre ela se erguem, do passado e do futuro, as duas torres. A
torre esquerda foi uma adição do
século 16, ultrapassando a altura
da torre direita e dando forma,
agora com as formas do barroco,
ao inultrapassável e sem forma
que uma e outra comemoram.
Chartres, para alguns, é motivo
de peregrinação religiosa. Desde
1912, quando o poeta Charles Péguy fez o percurso a pé de Paris
(88 quilômetros), há quem caminhe neste espírito todos os anos,
da capital à catedral.
Mas ir a Chartres, mesmo para
os não-religiosos, é no mínimo
um destino sonhado: mais do que
uma catedral, ela é a Idade Média
viva, moldada em pedra e vidro,
para benefício das gerações passageiras. Chartres perdura; e não
há resposta mais eloquente às inevitabilidades do tempo. Exceto,
talvez, as palavras. Como as de Péguy, ou de Proust, que construiu
seu romance-catedral inspirado
na catedral-romance de Chartres.
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