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FRANÇA GÓTICA
Leitura dos cerca de 150 vitrais coloridos existentes na igreja deve ser realizada a partir do interior escuro
Vidros e luzes narram histórias da Bíblia
DO ENVIADO ESPECIAL A CHARTRES
Escrever com vidro e luz. Mas
quem escreve afinal? E quem lê? A
luz passa de fora para dentro das
gigantescas colunas de vidro colorido e anima as histórias que se lê
de dentro. Mas essas histórias foram compostas de dentro para fora e a luz é uma forma de leitura.
São mais de 150 vitrais cobrindo
as paredes da catedral. O espaço é
muito escuro quando se entra, o
que só ajuda a apreciar as transparências desses painéis incríveis.
São 2.600 metros quadrados de
vidro distribuídos ao longo de todas as paredes do edifício.
Logo abaixo da rosácea oeste,
que ilustra o Juízo Final, ficam os
vitrais mais antigos. São do século
12 e pertenceram à catedral queimada em 1194. Chama a atenção,
em particular, a árvore de Jessé,
que narra a genealogia de Jesus
em milhares de pedaços de vidro
colorido, divididos em oito grandes quadrados, circulados por 16,
emoldurados por 32.
"Narrar" é o verbo adequado:
para compreender os vitrais, é
preciso seguir as divisões, da esquerda para a direita e de baixo
para cima. Saber a Bíblia de cor
não chega a ser pré-requisito, graças aos guias (por escrito, gravados ou ao vivo). Mas só se pode
ter idéia da dimensão do que está
ali acompanhando, passo a passo,
pelo menos alguns desses vitrais.
A catedral é isso mesmo: o livro
dos livros, redigido em vidro e pedra. A catedral é o mundo, resumido e explicado em histórias,
traduzidas em arquitetura, segundo alguns gênios anônimos dos
séculos 12 e 13.
No centro da nave, esculpido no
chão, fica o labirinto: 11 círculos
concêntricos levando a uma rosácea no meio. Este tipo de desenho
não era incomum na época e pode
ser visto em várias outras catedrais. Peregrinos se arrastavam de
joelhos por ele ao longo de um total de 260 metros. Para cumprir
essa via-crúcis, não se leva menos
de uma hora. Alegoria pequena
para a via da vida.
Estatuária
A renda de pedra, de perto,
transforma-se em vidas e nomes:
Nicolau, Ambrósio, Jerônimo,
Gregório. Vícios e virtudes, anjos,
mártires, virgens.
Em toda a volta da catedral, em
pórticos, colunas e nichos, multiplicam-se personagens relatando
mudamente as histórias do Velho
e do Novo Testamento.
Dentro da igreja, a procissão de
pedra não é menor. A clausura do
coro, erigida no século 16 pelo
mesmo artista da torre, Jean Texier, faz de cada cantor uma repetição involuntária dos dramas
monumentalizados ao redor.
Se for domingo, e um de sorte,
você poderá, quem sabe, assistir à
procissão dos sacerdotes. Todos
de branco e dourado, carregando
velas e incensórios e entoando hinos quase inaudíveis no mar de
som do grande órgão. A fumaça
da mirra se ergue em volutas, lentamente, até se perder no alto.
Esses 37 m de altura em pedra
fazem diferença para os ouvidos,
não menos do que para os olhos.
As glórias do arco butante não são
só para ver, são para ouvir.
Indiferente à outra procissão,
quase sacrílega, de turistas, você
(mais um turista) caminha com
os olhos para cima e vê as perspectivas mudando a cada meia
dúzia de passos. Assim como as
histórias, que variam de leitor para leitor, também a catedral é única para cada um de nós. Vista de
fora, ela é compreensível nos
grandes volumes e linhas. Vista
de dentro, ela ultrapassa a inteligibilidade assim como é ininteligível, também, a catedral sem a
grandeza nem a forma de cada
um de nós.
(ARTHUR NESTROVSKI)
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