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FERNANDO GABEIRA
O Brasil à espera de um choque de turismo
Houve uma queda brutal
no movimento de passagens
aéreas. Algumas empresas chegam a registrar um declínio de
80%. Claro que as pessoas continuam a viajar de ônibus, de trem,
de carro ou de moto. Mas as repercussões fatalmente vão se fazer
sentir na indústria do turismo como um todo.
Daí a necessidade de uma reação em conjunto. Quando estava
asilado na Suécia, lembro como a
articulação das empresas, das
agências e dos hotéis produziu
milagres. Com menos de mil coroas, ou US$ 200, às vezes era possível ir a Portugal passar um fim
de semana, com hotel incluído.
Sempre que chamamos os executivos de empresas aéreas para
debater, eles afirmam que os preços no Brasil são altos porque não
há escala. E nós afirmamos que
não há escala porque os preços
são altos. Precisamos romper esse
círculo e, sinceramente, se vamos
rompê-lo de alguma forma, será
abaixando os preços.
Durante algum tempo, pensou-se que a entrada de empresas estrangeiras no mercado traria um
impacto positivo. O mesmo que
permitiu o barateamento dos telefones. Hoje duvidamos se a saída tem de ser essa.
O governo precisava coordenar
esse esforço. Se ligar o sinal amarelo e chamar os representantes
de todos os setores, talvez consiga
algo. Um primeiro passo positivo
foi estender os benefícios dados
aos exportadores ao setor de turismo, acabando com os impostos
em cascata.
Concordo com essa decisão, como, aliás, concordo com tudo o
que possa estimular as exportações, sobretudo nessa conjuntura.
Mas o perigo que a queda das
passagens representa para o turismo demanda uma atuação mais
audaciosa.
O problema central é definir
que com ocupação zero o prejuízo
é grande. A partir daí, cada um
dos setores poderá avaliar as possibilidades de entrar no jogo, reduzindo seus lucros e ampliando
as ofertas baratas.
Não se trata apenas de uma
adaptação nacional dos vôos
charters, o que fez a alegria dos
trabalhadores escandinavos. Eles,
na verdade, tinham um excedente para gastar. No momento, os
viajantes brasileiros estão com
poucos recursos. É preciso combinar o estímulo à redução dos preços com outras idéias.
Quem poderia participar também seriam os Estados e os municípios. Olhar o declínio momentâneo de uma atividade sem reagir
a ele pode ser muito pior que tentar fazer alguma coisa para enfrentar a maré mais brava.
Cada vez que as coisas apertam,
surgem novas idéias. Uma delas
foi a do vôo corujão, que permitiu
a muitos realizar seus sonhos. É
preciso estabelecer convênios com
escolas, empresas e sindicatos e
manter os aviões voando com toda a segurança, evidentemente.
Pode ser até que eu esteja exagerando. O turismo continuará seu
ritmo triunfante no Brasil, independentemente de conjunturas.
Mas, quando vejo que o movimento nos aviões caiu tanto e que
não foram definidas as ações correspondentes, imagino que tanto
o governo como as empresas estão
esperando a onda passar.
Cá pra nós, com a possibilidade
de guerra no Iraque e aumento
do preço do petróleo, com a retração do comércio e a aversão ao
risco, é muito possível que uma
conjuntura negativa se instale
por um tempo mais longo.
O que tenho observado nesses
anos todos de luta contra a corrente (a última foi essa campanha eleitoral no Rio) é que a pobreza em si não é fatal. O que é fatal é a combinação da pobreza
com a falta de imaginação. Esse
pecado os deuses não perdoam.
Os preços das passagens aéreas
no Brasil já eram comparativamente altos. Com os aumentos recentes, passam a ser quase proibitivos. Se não houver consciência
de que isso é um problema cuja
solução representa um dos caminhos reais para o combate ao desemprego, vamos assistir ao curso
das coisas como se assiste a uma
fatalidade fora de alcance.
Creio que ainda existe um certo
preconceito contra essas atividades não-materiais. Uma crise no
turismo deveria mobilizar muito
mais do que uma crise na indústria de velas, por exemplo. Temos
uma tendência a considerar reais
os produtores de velas e a subestimar os trabalhadores que prestam serviços.
Todos os presidenciáveis falaram de turismo. Prometeram dar
toda a importância ao tema. A
verdade é que o eleito que toma
posse em janeiro terá uma excelente oportunidade para cair de
cabeça no trabalho de recuperação do setor. Se der algum sinal de
que vai empurrar a situação com
a barriga, então, no que diz respeito ao turismo, será possível dizer que nada mudou de fato.
Essa dimensão do desafio é fascinante. Um país com imenso potencial turístico mergulhado numa crise pode produzir saídas de
grande imaginação, como foi produzida a saída dos vôos charters
que nos levaram, a nós que vivíamos na Escandinávia, a conhecer
o mundo com pouco dinheiro no
bolso.
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