São Paulo, segunda-feira, 14 de outubro de 2002

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FERNANDO GABEIRA

O Brasil à espera de um choque de turismo

Houve uma queda brutal no movimento de passagens aéreas. Algumas empresas chegam a registrar um declínio de 80%. Claro que as pessoas continuam a viajar de ônibus, de trem, de carro ou de moto. Mas as repercussões fatalmente vão se fazer sentir na indústria do turismo como um todo.
Daí a necessidade de uma reação em conjunto. Quando estava asilado na Suécia, lembro como a articulação das empresas, das agências e dos hotéis produziu milagres. Com menos de mil coroas, ou US$ 200, às vezes era possível ir a Portugal passar um fim de semana, com hotel incluído.
Sempre que chamamos os executivos de empresas aéreas para debater, eles afirmam que os preços no Brasil são altos porque não há escala. E nós afirmamos que não há escala porque os preços são altos. Precisamos romper esse círculo e, sinceramente, se vamos rompê-lo de alguma forma, será abaixando os preços.
Durante algum tempo, pensou-se que a entrada de empresas estrangeiras no mercado traria um impacto positivo. O mesmo que permitiu o barateamento dos telefones. Hoje duvidamos se a saída tem de ser essa.
O governo precisava coordenar esse esforço. Se ligar o sinal amarelo e chamar os representantes de todos os setores, talvez consiga algo. Um primeiro passo positivo foi estender os benefícios dados aos exportadores ao setor de turismo, acabando com os impostos em cascata.
Concordo com essa decisão, como, aliás, concordo com tudo o que possa estimular as exportações, sobretudo nessa conjuntura. Mas o perigo que a queda das passagens representa para o turismo demanda uma atuação mais audaciosa.
O problema central é definir que com ocupação zero o prejuízo é grande. A partir daí, cada um dos setores poderá avaliar as possibilidades de entrar no jogo, reduzindo seus lucros e ampliando as ofertas baratas.
Não se trata apenas de uma adaptação nacional dos vôos charters, o que fez a alegria dos trabalhadores escandinavos. Eles, na verdade, tinham um excedente para gastar. No momento, os viajantes brasileiros estão com poucos recursos. É preciso combinar o estímulo à redução dos preços com outras idéias.
Quem poderia participar também seriam os Estados e os municípios. Olhar o declínio momentâneo de uma atividade sem reagir a ele pode ser muito pior que tentar fazer alguma coisa para enfrentar a maré mais brava.
Cada vez que as coisas apertam, surgem novas idéias. Uma delas foi a do vôo corujão, que permitiu a muitos realizar seus sonhos. É preciso estabelecer convênios com escolas, empresas e sindicatos e manter os aviões voando com toda a segurança, evidentemente.
Pode ser até que eu esteja exagerando. O turismo continuará seu ritmo triunfante no Brasil, independentemente de conjunturas. Mas, quando vejo que o movimento nos aviões caiu tanto e que não foram definidas as ações correspondentes, imagino que tanto o governo como as empresas estão esperando a onda passar.
Cá pra nós, com a possibilidade de guerra no Iraque e aumento do preço do petróleo, com a retração do comércio e a aversão ao risco, é muito possível que uma conjuntura negativa se instale por um tempo mais longo.
O que tenho observado nesses anos todos de luta contra a corrente (a última foi essa campanha eleitoral no Rio) é que a pobreza em si não é fatal. O que é fatal é a combinação da pobreza com a falta de imaginação. Esse pecado os deuses não perdoam.
Os preços das passagens aéreas no Brasil já eram comparativamente altos. Com os aumentos recentes, passam a ser quase proibitivos. Se não houver consciência de que isso é um problema cuja solução representa um dos caminhos reais para o combate ao desemprego, vamos assistir ao curso das coisas como se assiste a uma fatalidade fora de alcance.
Creio que ainda existe um certo preconceito contra essas atividades não-materiais. Uma crise no turismo deveria mobilizar muito mais do que uma crise na indústria de velas, por exemplo. Temos uma tendência a considerar reais os produtores de velas e a subestimar os trabalhadores que prestam serviços.
Todos os presidenciáveis falaram de turismo. Prometeram dar toda a importância ao tema. A verdade é que o eleito que toma posse em janeiro terá uma excelente oportunidade para cair de cabeça no trabalho de recuperação do setor. Se der algum sinal de que vai empurrar a situação com a barriga, então, no que diz respeito ao turismo, será possível dizer que nada mudou de fato.
Essa dimensão do desafio é fascinante. Um país com imenso potencial turístico mergulhado numa crise pode produzir saídas de grande imaginação, como foi produzida a saída dos vôos charters que nos levaram, a nós que vivíamos na Escandinávia, a conhecer o mundo com pouco dinheiro no bolso.



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