São Paulo, segunda-feira, 15 de julho de 2002

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VIZINHO EM PROMOÇÃO

Caminho por entre tocos de árvore lembra a história dos presos que povoaram Ushuaia

Trem turístico narra a saga dos antigos presidiários

DA ENVIADA ESPECIAL A USHUAIA

Na avenida San Martín há um restaurante típico (Rancho Argentino) que oferece, além do "cordero fueguino", um show de música folclórica ao vivo. É lancinante escutar o violeiro Ramón cantando em tom grave poemas de Neruda musicados ou canções melancólicas sobre Ushuaia.
Em uma delas, o ushuaiense bigodudo, vestindo bombachas, botas, camisa branca, colete decorado, lenço e chapéu, lembra o frio e o abandono dos encarcerados no presídio do Fim do Mundo e os caracteriza como homens com "coração de lenha". Os presos de Ushuaia não só construíram o próprio cárcere como produziam toda a madeira para abastecer o presídio, a cidade e o trem a vapor que os levava ao alto das montanhas para cortar lenha.
Uma réplica do trem dos condenados, construída com fins unicamente turísticos, está na estação Ferrocarril Austral Fueguino, 8 km a oeste do centro de Ushuaia, e leva os visitantes pela mesma rota que o antigo trem percorria.
A maior parte do trajeto, de 15 km, é feita dentro do Parque Nacional Terra do Fogo, com duração de duas horas (ida e volta) e comentários em espanhol e inglês sobre a história dos presos, do trem e da região.
Apesar de concorrer com montanhas nevadas, rios, cascatas congeladas, a floresta subantártica e a cordilheira dos Andes, o mais assombroso da paisagem são os milhares de tocos de árvore espalhados perto dos trilhos, a testemunhar quase meio século de trabalho ininterrupto. O presídio começou a ser construído em 1902 e a estrada de ferro, em 1910. Ambos funcionaram até 1947.

Presidiário-imigrante
No dia 5 de janeiro de 1896 partiram de Buenos Aires os 14 primeiros condenados, que voluntariamente foram se estabelecer na colônia penal de Ushuaia em troca da redução de suas penas. Até o fim do ano eram 74 homens e 21 mulheres, morando em dormitórios de madeira com teto de zinco.
O governo dava subsídios às famílias que quisessem viver em Ushuaia, oferecia aos funcionários salários superiores aos do restante do país e possibilitava que as famílias dos presos se transferissem para a cidade às custas do governo. Logo surgiram as primeiras lojas, com nomes como Al Pobre Diablo. Tudo tinha relação com o presídio.
O Presídio Nacional foi construído entre 1902 e 1920, contando com cinco pavilhões e 380 celas -e capacidade para mais de 800 presos. Destinado inicialmente a criminosos reincidentes, logo tornou-se destino dos presos mais perigosos, com penas de maior duração ou de prisão perpétua.
Em 1950, três anos depois de ser desativado, o local se tornou a Base Naval de Ushuaia, daí a edificação se dividir hoje entre o museu Marítimo e o museu do Presídio. O sombrio pavilhão 1 é conservado tal qual era no início do século 20, sem luz elétrica, com piso e portas de madeira. As paredes são ásperas, úmidas e cinzentas e as pequenas janelas com barras deixam passar o vento glacial.
No pavilhão 4, reformado, as celas reproduzem o ambiente original, com réplicas em cera dos presos mais famosos e fotos, documentos ou notícias de jornal da época relatando seus crimes.
Uma estátua baixinha exibindo sorriso macabro e um martelo na mão representa o famoso Petiso Orejudo, apelido de Santos Godino, "serial killer" que matava crianças em Buenos Aires martelando pregos em suas cabeças.
Segundo conta o guia local, quando começaram a remodelar o presídio para abrigar o museu, os militares proibiram que escavassem ou derrubassem as paredes do porão do pavilhão 1. (JM)



Museu Marítimo de Ushuaia & Museu do Presídio - Entrada pela rua Yaganes, esquina com a Gobernador Paz, tel. 00/xx/54/2901/437-481; ingressos: US$ 9 (adultos) e US$ 7 (crianças).
Estação do Fim do Mundo - Ruta 3, km 3.042, tel. 00/xx/54/2901/437-696; preço: 33 pesos.
Rancho Argentino - Rua San Martín, 237, tel. 00/xx/54/2901/430-100; refeição com entrada, prato principal, saladas e sobremesa: US$ 11.



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