São Paulo, quinta-feira, 15 de setembro de 2011

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ENTREVISTA PAUL SINGER

Convivência de culturas gerou a Viena intelectual

PASSEIO AFETIVO COM TIO FRITZ CONSERVOU A CAPITAL AUSTRÍACA 'EXATAMENTE COMO ELA ERA' ANTES DOS HORRORES DA SEGUNDA GUERRA

SILVIO CIOFFI
EDITOR DE TURISMO

Paul Singer, 79, nasceu em Erlaa, subúrbio de Viena, e lembra perfeitamente do dia em que seu tio Fritz o pegou pela mão para mostrar a cidade "para que ele nunca se esquecesse de como ela era".
As chamas da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) estavam crepitando e, com elas, a perseguição nazista aos judeus europeus começava a escrever uma das páginas mais negras da história.
Então um menino pequeno, Singer foi levado pelo tio a lugares como o Palácio Imperial, no centro vienense, e lá apresentado às estátuas que aludem a deuses e semideus mitológicos.
A família teve certeza de que fugiria da sanha hitlerista em 1940 -"Refugiado não migra, foge", diz- e, aqui, Paul Singer se tornou referência de pensador da economia e da política brasileiras.
Jovem, foi sindicalista e um dos líderes da greve de 1953.
Depois, estudou economia, lecionou na USP, ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores (PT) e concebeu, ao lado de intelectuais como Fernando Henrique Cardoso, o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
Em 2009, ele recebeu a Grande Ordem do Mérito da República da Áustria. Viaje, a seguir, pela Viena que remete à meninice de Singer, um intelectual que não hesita em afirmar: "Sou completamente brasileiro".

O PASSEIO COM TIO FRITZ
Cheguei a Santos (SP) no dia do meu aniversário de 8 anos, de modo que no passeio por Viena, com o meu tio, eu tinha sete anos. Ele primeiro me levou ao Palácio Imperial, que compreende uma série de prédios do século 19, onde vi as estátuas de inspiração grega, minha primeira lição de mitologia.
Também fui com ele ao castelo de Schoenbrunn, a residência de verão do imperador, uma imitação de Versalhes, perto do zoológico de Viena. E, como garoto, o zoo me interessou demais.

O BRASIL PELA PROA
Viemos juntos ao Brasil: minha mãe, que era viúva, uma tia-avó, o tio Fritz e sua mulher. Eles nunca mais voltaram a Viena. Eu só retornei para lá, pela primeira vez, 30 anos depois. E, novamente, fui a lugares que tinha visitado quando menino.
Acho que, relativamente, a guerra não causou perdas irreparáveis à herança histórica e à arquitetura da cidade, cujo passado remete um pouco à belle epóque. Viena tem indisfarçável marca passadista.
Curiosamente, fui ao bairro operário em que nasci, Erlaa, mas não achei nossa casa, só um muro. O bairro deve ter sido bombardeado.

A MÚSICA
Fui ao menos uma meia dúzia de vezes para Viena novamente. Adoro operetas e fui ao teatro ver apresentações. Esse tipo de música se mescla ao teatro e tem diálogos muito engraçados. Numa ocasião, quando eu ria muito durante a apresentação, minha mulher me chamou a atenção: eu era o único que ria.
Então, olhei a plateia em volta e constatei que, como a cidade é eminentemente turística, a audiência era toda de turistas japoneses!
Falando em música, sempre me delicio com as obras dos Strauss, do pai e do filho, de L.Fall, de Zeller etc., ainda hoje encenadas do mesmo jeito que originalmente.

AS COMIDAS
Os doces são famosos em Viena, mas eu sou mais de comidas salgadas. De gulache, aliás uma comida húngara, um cozido de carne, popular lá, eu gosto muito. Mas não esqueço do marillenknoedel, um nhoque grande de massa de batata com o recheio de damascos.

MULTIETNIAS X HISTÓRIA
Perdi meu pai muito cedo, minha mãe trabalhava e, na convivência com minhas tias, lembro de que falávamos muito da história antiga, do arquiduque, dos episódios trágicos que eventualmente envolveram a nobreza.
Viena era a grande capital de um império multiétnico, um traço de união entre leste, oeste, norte e sul no Velho Continente. Além de territórios austríacos, húngaros, tchecos, eslovacos, até o Trieste, no norte da Itália, integrava esse império.
E, se por um lado, a convivência de culturas produziu uma efervescência artística, científica e filosófica, formou intelectuais como Sigmund Freud, Otto Bauer, Ludwig Wittgenstein, o pintor Oskar Kokoschka; por outro lado, sim, havia antissemitismo na Áustria. O próprio líder nazista Adolf Hitler era austríaco.
Ocorre que, com a dissolução desse grande Império Austro-Húngaro, Viena passou a ser a capital apenas dessa região de fala alemã. Naturalmente, a produção intelectual caiu na normalidade, se tornou mais limitada. E acho que, ao começar a Segunda Guerra, os judeus austríacos pagaram o pato.



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