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AUTOFAGIA À PAULISTA
Trajeto que costura marcos urbanísticos não se limita a levar turistas a pontos conservados
Passeio dominical percorre vilas paulistas
HELOISA LUPINACCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Desde 2001, grupos de até 46
pessoas entram em um ônibus, às
14h, horário em que a maioria está
se sentando à mesa para o almoço
dominical, a fim de fazer, no primeiro dia da semana, um passeio
por vilas de São Paulo.
Quatro horas e 15 vilas depois, a
sensação é a de que a cidade prima por esconder o que sobrou de
seu passado. À exceção da vila dos
Ingleses, os conjuntos revelam o
tratamento dado ao patrimônio
histórico paulista.
O passeio foge dos moldes do
city tour, que mostra locais cuidados. Apesar de todo o seu charme,
muitas das vilas exibem, à primeira vista, seu lado descuidado, descaracterizado, abandonado.
"A intenção não é mostrar só
coisas belas. É passear por vilas,
até as degradadas, e estimular a
mobilização, o carinho das pessoas pela cidade." A proposta é de
Carlos Silvério, dono da agência
Graffit, que faz o tour (veja quadros com ordem das paradas).
Silvério e o guia e estudante de
história Carlos Eduardo de Castro
se autodenominam Indianas Jones urbanos, caçadores de patrimônios perdidos. A pesquisa de
informações é notável: os alto-falantes do ônibus tocam sucessos
das décadas da construção das vilas, o guia conta histórias do cotidiano da época e despeja informações históricas, arquitetônicas
e urbanísticas a granel.
A mistura de intenção e pesquisa resulta em uma rota inusitada,
da qual fazem parte trechos da cidade pelos quais cidadãos de classe média raramente transitariam.
Entre a praça da Sé e o viaduto
Glicério, as vilas dos Estudantes e
Suíça e a travessa Ruggero se insinuam a partir das esquinas. Ali
não é permitido descer do ônibus.
Questão de segurança. A mesma
regra é aplicada às vilas Bueno e
Santa Clara e rua Ilha das Flores,
próximas à 25 de Março. Num domingo friorento, essas ruas pareciam pertencer a cidades desertas.
Os três pontos de parada são as
vilas Maria Zélia, Economizadora
e dos Ingleses.
A primeira é conhecida por sua
origem revolucionária. Construída entre 1911 e 1916 por Jorge
Street, dono da Companhia Nacional de Tecidos de Juta, para
abrigar operários da fábrica, a vila
revolucionou o sentido de "abrigar": tinha creche, escola, ambulatórios, farmácia, armazém,
açougue e salão de festa. Hoje, sofre com a descaracterização e o
abandono de alguns prédios.
A vila dos Ingleses encerra o roteiro. Decisão estratégica: bem
conservada, ela injeta ânimo nos
participantes do tour, que acabaram de ver os mais variados
exemplos de destruição. Nessa vila, tudo está conservado. O motivo: Pierre Moreau, atual dono da
vila, é bisneto do chileno Eduardo
de Aguiar D'Andrada, que a construiu. Após uma fase de abandono, durante a qual o conjunto virou cortiço, Moreau o recuperou.
Hoje as casas são alugadas para
empresas. A preocupação visual é
tal que os escritórios não podem
sequer pendurar placas.
Assim, o tour termina, por volta
das oito, em uma - e quase única- vila que teve um final feliz.
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