São Paulo, segunda, 18 de janeiro de 1999

Texto Anterior | Índice

QUALQUER VIAGEM

A pauta jornalística mais importante de 1999

DAVID DREW ZINGG
em Sampa

"É assustador -como ver água saindo de um soquete elétrico." Dave Barry

Existe no meio jornalístico uma teoria segundo a qual a cada ano há apenas um número muito restrito de temas que merecem que se escreva sobre eles.
Em 1999, Joãozinho, garanto a você que vamos ouvir falar de um só assunto -e esse será pisado e repisado inúmeras vezes.
Esse assunto é conhecido como bug do milênio ou bug do ano 2000.
Lá na Gringolândia, os "geeks" mais bem informados o chamam de bug Y2K.
Não, espertinho, não é o nome de nenhuma banda pop australiana. É muito pior do que isso.
Esta coluna já avisou a você várias vezes que está mais do que na hora de pôr mãos à obra para evitar o Y2K aqui na Bananalândia.
Tio Dave foi uma das primeiras pessoas a chamar sua atenção para esse chato e desagradável problema de informática, já há dois longos anos.
Naquela época ainda havia tempo para curar o problema, mas agora as coisas estão se aproximando perigosamente do desastre. Os computadores enfrentam uma questão: em que ano estamos?
Você se lembra do problema -até agora os programadores de computadores sempre usaram apenas dois dígitos para representar um ano nas entranhas dos códigos do computador. Escreviam "99" para designar "1999". Quando o computador chegar a "00", ele vai deduzir, de maneira brilhante, que o ano é ... 1900.
Isso significa que o mundo dependente dos computadores terá que localizar cada linha de código de computador em que o ano está assim escrito e reescrevê-la para que "00" passe a designar o ano 2000.
Os nerds informatizados estimam que o trabalho de localizar e corrigir todas as linhas de código existentes no mundo, calculadas em 1 TRILHÃO, vai custar cerca de US$ 1 por linha de código.
Faça a conta, Joãozinho. Não sou nenhum Einstein, mas os Bill Gates da vida dizem que o custo para o mundo chegará à soma pífia de simplesmente US$ 1 TRRRRRILHÃO.
Isso num momento em que boa parte do mundo (a começar por um lugar cujo nome começa com "B") está financeiramente carente, desempregado ou, para usar um grande termo poético, pura e simplesmente quebrado.
Então, por que não damos uma de Itamar Franco e simplesmente nos desassociamos dessa confusão toda?
Vou lhe dizer por quê. Hoje em dia nosso mundo é dirigido por computadores. É por isso.
O sujeito que lê seu relógio de luz não o lê mais. Hoje, ele anda por aí com um computadorzinho de mão que lê seu relógio.
A não ser que seu exemplar diário da Folha seja levado por macacos entregadores à sua residência amazônica de alto padrão, na copa de uma árvore no meio da floresta, não há praticamente nada em sua vida que não seja controlado por essas máquinas.
A maioria dos computadores do mundo vai pensar que o começo do próximo milênio é realmente o ano 1900.
Muitos deles vão simplesmente desistir de funcionar. Muitos outros acharão o impasse tão confuso que vão se juntar à ciranda e começar a emitir ordens erradas, conflitantes.
Em suma: nosso mundo regido por computadores se verá mergulhado no caos. Finalmente, aquelas pessoas paranóicas, que se preocupam sem parar, terão bons motivos para fazê-lo.
Não importa quanto você grite com o computador no departamento de contabilidade de sua empresa, a máquina ainda vai pensar: "Ele nem sequer nasceu ainda -por que vou me dar ao trabalho de emitir um holerite para ele?".
Cerca de um terço das empresas dos Estados Unidos ainda nem chegou perto de arrumar seus computadores.

Brasília
Fora dos EUA (leia-se: no Brasil), os trabalhos de reparo nem sequer se aproximam desse nível, já incompleto.
Em qualquer dia, Brasília não consegue ao menos dizer quantos parlamentares se encontram na cidade para votar seu próprio aumento salarial.
Imagine só esses burocratas altamente competentes tentando consertar todos os complexos computadores da Bananalândia nos próximos 12 meses.
É por essa razão que você vai ouvir falar tanto no Y2K nos 11 e alguma coisa próximos meses.
A situação vai ficar realmente preta na véspera do próximo Ano Novo, quando os relógios situados no interior da maioria dos computadores do mundo tentarem passar do ano 1999 para o ano 2000.
Você não vai conseguir tirar seu dinheiro do banco. Vão faltar água e luz. Vão faltar alimentos. Os elevadores vão entrar em pane no meio do percurso e, à meia-noite, não sei bem porque, não vou querer estar a 10 mil metros de altitude, viajando para Barretos num vôo qualquer da TAM.
Tio Dave já tem seu plano de sobrevivência traçado.
Vou descer e comprar comida enlatada para um ano e muitas garrafas de Renato Ratti Dolcetto d"Alba na minha venda favorita, a Santa Luzia.
Depois vou convidar minha Jane para me acompanhar até meu esconderijo no alto da árvore e esperar para ver o irritante bug do milênio picando o resto de vocês, despreparados descrentes na importância da informática.
Finalmente, quando os saques, tumultos e mortes tiverem terminado, vou emergir sozinho como único magnata da mídia sobrevivente no Brasil.
Infelizmente, serei um magnata da mídia, ao qual vai sobrar apenas um leitor para apreciar minha brilhante cobertura sobre o tema Y2K.


Tradução de Clara Allain.



Texto Anterior | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.