São Paulo, quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

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AS BOAS DO "BONRA"

Personagem de filme evoca infância de roteirista no bairro

Cláudio Galperin é um dos responsáveis pelo roteiro de "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias"

DA REPORTAGEM LOCAL

Uma mistura cultural fervilhante. É essa a principal lembrança que o roteirista e escritor Cláudio Galperin, 46, tem de sua infância no Bom Retiro, onde morou até os 13 anos. Memória que foi testada durante a produção do roteiro do longa "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias" (2006), que se passa no bairro em 1970.
O filme conta a história de Mauro (Michel Joelsas), menino de 12 anos encantado com a atuação da seleção brasileira na Copa de 70, enquanto seus pais desaparecem na clandestinidade, fugindo da ditadura militar. Deixado com o avô, ele acaba sozinho com o vizinho, Shlomo (Germano Haiut).
"As minhas lembranças são parecidas com várias situações que o Mauro vive, de empolgação com o futebol, de ouvir conversas veladas dos mais velhos sobre a ditadura", conta Galperin, que assina o roteiro do filme com Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e o diretor Cao Hamburger.
"Eu morava em frente ao jardim da Luz, me lembro de tirar foto em um lambe-lambe com meu avô", conta o roteirista. O avô, aliás, foi quem proporcionou os primeiros contatos de Galperin com o mundo da dramaturgia. "Ele (Jaime Galperin) foi um dos responsáveis por trazer o teatro ídiche para cá, as peças eram encenadas no teatro Taib, na rua Três Rios", diz. "Meu avô era contra-regra, vendia bilhetes e era ator em caso de necessidade extrema. E eu ficava junto, vendo toda aquela agitação", relembra.
O teatro Taib, palco de tantas lembranças da infância de Galperin, foi cenário do filme, que também foi gravado em Campinas. O Bom Retiro aparece nas cenas externas.

Tropeção no Dops
Outra lembrança forte é o medo que Galperin, ainda criança, sentia ao passar em frente ao prédio do Dops (Delegacia de Ordem e Política Social), que hoje abriga a Estação Pinacoteca.
"À noite, havia uma barricada de baldes alaranjados com luz dentro, que jogavam sombras sobre o prédio, o que nos deixava ainda mais apavorados. Eu nunca vou me esquecer da noite em que tropecei em um dos baldes. A sensação era de morte iminente", diz.
Na época, a preocupação de Galperin com a ditadura passava pelo mistério. "Era tudo muito cifrado, eu prestava muita atenção nos universitários, nos meninos mais velhos", diz. Uma lembrança marcante foi a reação de seu pai quando, adolescente, resolveu dizer que era palmeirense e trotskista. O problema, é claro, não estava no fato de torcer pelo Palmeiras. "Ele ficou furioso com a perspectiva de que a palavra trotskista fosse dita dentro da casa dele", relembra Galperin.

Fetiche gastronômico
Após anos afastado do Bom Retiro, foi a memória gustativa que levou Galperin de volta ao bairro. "Na verdade, voltei por conta de um fetiche gastronômico", diverte-se.
Quando menino, o roteirista estudava no colégio Renascença, na rua Três Rios. Na saída da escola, os alunos se fartavam de falafel vendido por uma mulher em uma barraquinha. "A mulher se chamava dona Malka. O falafel era uma coisa enorme, a gente se lambuzava comendo", relembra.
Galperin jamais se esqueceu do falafel especial de sua infância. Anos depois, comentando a história com um amigo, descobriu que poderia provar novamente a iguaria que marcou aquela época de sua vida.
"Eu descobri que ela continuava fazendo falafel, numa galeria na José Paulino (leia mais abaixo). Aí eu tive de voltar. Aquele falafel é o melhor", conta, deixando a dica.
E qual a sensação de voltar ao bairro da infância depois de tanto tempo? "Os prédios continuam os mesmos, os apêndices mudaram -as placas, os sinais em frente das lojas", diz. "Mas o cenário da minha infância está lá, fui visitar o prédio onde morava meu avô, foi ótimo", diz.
O passeio pelo Bom Retiro, no entanto, deixou a vontade de ter notícias de um amigo com o qual Galperin perdeu contato há muitos anos. "Era um iugoslavo chamado Boris, um dos melhores amigos do meu avô. Ele vendia meias em frente a uma loja de tapetes."
Quando Galperin estava prestando o vestibular para medicina, o amigo era taxista. "Ele me levou de táxi para as provas", diz. Anos depois, como residente da USP, tratou de um parente de Boris. Foi a última vez que teve notícias do amigo. "Gostaria muito de saber dele", diz. (MARINA DELLA VALLE)


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