|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
AS BOAS DO "BONRA"
Personagem de filme evoca infância de roteirista no bairro
Cláudio Galperin é um dos responsáveis pelo roteiro de "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias"
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma mistura cultural fervilhante. É essa a principal lembrança que o roteirista e escritor Cláudio Galperin, 46, tem
de sua infância no Bom Retiro,
onde morou até os 13 anos. Memória que foi testada durante a
produção do roteiro do longa
"O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias" (2006), que se
passa no bairro em 1970.
O filme conta a história de
Mauro (Michel Joelsas), menino de 12 anos encantado com a
atuação da seleção brasileira na
Copa de 70, enquanto seus pais
desaparecem na clandestinidade, fugindo da ditadura militar.
Deixado com o avô, ele acaba
sozinho com o vizinho, Shlomo
(Germano Haiut).
"As minhas lembranças são
parecidas com várias situações
que o Mauro vive, de empolgação com o futebol, de ouvir conversas veladas dos mais velhos
sobre a ditadura", conta Galperin, que assina o roteiro do filme com Bráulio Mantovani,
Anna Muylaert e o diretor Cao
Hamburger.
"Eu morava em frente ao jardim da Luz, me lembro de tirar
foto em um lambe-lambe com
meu avô", conta o roteirista. O
avô, aliás, foi quem proporcionou os primeiros contatos de
Galperin com o mundo da dramaturgia. "Ele (Jaime Galperin) foi um dos responsáveis
por trazer o teatro ídiche para
cá, as peças eram encenadas no
teatro Taib, na rua Três Rios",
diz. "Meu avô era contra-regra,
vendia bilhetes e era ator em
caso de necessidade extrema. E
eu ficava junto, vendo toda
aquela agitação", relembra.
O teatro Taib, palco de tantas
lembranças da infância de Galperin, foi cenário do filme, que
também foi gravado em Campinas. O Bom Retiro aparece nas
cenas externas.
Tropeção no Dops
Outra lembrança forte é o
medo que Galperin, ainda
criança, sentia ao passar em
frente ao prédio do Dops (Delegacia de Ordem e Política Social), que hoje abriga a Estação
Pinacoteca.
"À noite, havia uma barricada de baldes alaranjados com
luz dentro, que jogavam sombras sobre o prédio, o que nos
deixava ainda mais apavorados.
Eu nunca vou me esquecer da
noite em que tropecei em um
dos baldes. A sensação era de
morte iminente", diz.
Na época, a preocupação de
Galperin com a ditadura passava pelo mistério. "Era tudo
muito cifrado, eu prestava muita atenção nos universitários,
nos meninos mais velhos", diz.
Uma lembrança marcante foi a
reação de seu pai quando, adolescente, resolveu dizer que era
palmeirense e trotskista. O
problema, é claro, não estava
no fato de torcer pelo Palmeiras. "Ele ficou furioso com a
perspectiva de que a palavra
trotskista fosse dita dentro da
casa dele", relembra Galperin.
Fetiche gastronômico
Após anos afastado do Bom
Retiro, foi a memória gustativa
que levou Galperin de volta ao
bairro. "Na verdade, voltei por
conta de um fetiche gastronômico", diverte-se.
Quando menino, o roteirista
estudava no colégio Renascença, na rua Três Rios. Na saída da
escola, os alunos se fartavam de
falafel vendido por uma mulher
em uma barraquinha. "A mulher se chamava dona Malka. O
falafel era uma coisa enorme, a
gente se lambuzava comendo",
relembra.
Galperin jamais se esqueceu
do falafel especial de sua infância. Anos depois, comentando a
história com um amigo, descobriu que poderia provar novamente a iguaria que marcou
aquela época de sua vida.
"Eu descobri que ela continuava fazendo falafel, numa galeria na José Paulino (leia mais
abaixo). Aí eu tive de voltar.
Aquele falafel é o melhor", conta, deixando a dica.
E qual a sensação de voltar ao
bairro da infância depois de
tanto tempo? "Os prédios continuam os mesmos, os apêndices mudaram -as placas, os sinais em frente das lojas", diz.
"Mas o cenário da minha infância está lá, fui visitar o prédio
onde morava meu avô, foi ótimo", diz.
O passeio pelo Bom Retiro,
no entanto, deixou a vontade
de ter notícias de um amigo
com o qual Galperin perdeu
contato há muitos anos. "Era
um iugoslavo chamado Boris,
um dos melhores amigos do
meu avô. Ele vendia meias em
frente a uma loja de tapetes."
Quando Galperin estava
prestando o vestibular para
medicina, o amigo era taxista.
"Ele me levou de táxi para as
provas", diz. Anos depois, como
residente da USP, tratou de um
parente de Boris. Foi a última
vez que teve notícias do amigo.
"Gostaria muito de saber dele",
diz.
(MARINA DELLA VALLE)
Texto Anterior: Mercearias coreanas têm bons presentes, como chá e panela Próximo Texto: Em mezanino de galeria, Malka vende falafel que fica na memória Índice
|