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ENTRE "CERROS"
Região é semelhante à de São Paulo, mas tem particularidades, como o clube aristocrático Unión, só para homens
Para paulistano, centro parece íntimo
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, NO CHILE
Para um paulistano, sair de
uma estação do metrô no centro
de Santiago é ter uma sensação familiar. As mesmas ruas estreitas,
fachadas antigas e cinzentas, calçadões, postes erguidos em um
outro século. Há até torcedores
com olhos vidrados em um jogo
transmitido pela TV. Muito parecido com a nossa torcida de Copa
do Mundo, não? Seria, se a bola
usada não fosse muito menor (era
um jogo de tênis entre Chile e
EUA pela Copa Davis). Sinal de
que nem tudo é tão igual assim.
Uma das peculiaridades do centro são os clubes Unión da calle
Nueva York. O primeiro é o Club
de la Unión (com entrada pela
Alameda), uma sociedade aristocrática fundada em 1864 e que,
desde então, só aceita homens como membros -e eles são 1.300.
Teoricamente, é proibido entrar
no edifício, construído em 1925,
com traços neoclássicos e renascentistas, tombado como patrimônio histórico. Mas, batendo
um papo com o porteiro simpático, Carlos (há 37 anos como empregado do clube), dá ao menos
para tentar dar uma espiadinha
do salão principal. E fazer fotos?
"Nem pensar. Isso é como uma
casa particular. Você gostaria que
tirassem fotos da sua casa?", responde o porteiro. E o que eles fazem aí? "Almoços, reuniões de
negócios, manifestações. Jogam
cartas, entram na piscina."
Casa mais animada e de acesso
democrático é o Unión Bar e Restaurante -que fica defronte à lateral do clube refinado. Em dois
salões escuros, com decoração à
moda dos anos 50 (o lugar funciona há mais de 70 anos), garçons
veteranos atendem a clientes veteranos, que falam alto, gargalham e
contam vantagem, enquanto bebem a borgoña, uma bebida feita
com vinho, açúcar e frutas. Um
Club de La Unión ao revés, para
resumir a história.
Santiago também tem seu mercado, mas com aromas e sabores
um tanto diferentes dos do mercado paulistano. São corredores
escuros e molhados, que exalam
um forte cheiro de peixe e frutos
do mar -vendidos crus, nas bancas, ou cozidos, nos restaurantes
chamados de marisquerias.
As mais simples estão nas laterais, enquanto as mais bem arrumadas (e turísticas) ficam no centro. Em ambos os casos, há sempre um garçom oferecendo insistente e irritantemente o cardápio.
Com as barracas, nada muda: os
vendedores caçam clientes, ressaltando o frescor dos produtos.
"Quer um picopoco senhora?"
"Assim, vivo?" "É muito saboroso, quer provar?" E o vendedor,
segurando a espécie de caracol
que abre e fecha a boca sem parar
dentro de sua concha, espreme
um limão em cima do bicho e o
mata usando a ponta de uma faca.
Então retira um pedaço do picopoco da concha: "Agora coma a
parte branca". Sim, ele tem razão,
é saboroso. Mas, mais adiante,
um cartaz avisa ao turista esquecido: "Não coloque sua saúde em
risco. Não coma mariscos crus".
Cardápio noturno
Um roteiro completo pelo centro tem de costurar a catedral, em
frente à plaza de Armas -repare
nos silenciosos jogos de xadrez
que ocupam o coreto-, o Teatro
Municipal (calle Agustinas, 794) e
a Biblioteca Nacional (Alameda,
651). Além, é claro, da célebre sede do governo federal, o palácio
de la Moneda, que antes não oferecia muito mais que a visita a
seus pátios, mas que agora recebeu um centro cultural, construído no subsolo dos seus jardins.
Tamanha caminhada ocupa
uma tarde inteira e merece terminar em uma mesa de cafeteria,
sorveteria ou "fuente de soda"
(mais conhecida por nós como
lanchonete), que seguem funcionando depois do pôr-do-sol. Até
as lojas fecharem as portas, por
volta das 20h, o centro santiaguino vira uma grande happy hour, e
as calçadas são palco para inusitados artistas populares -de imitadores dos Beatles a recitadores de
poesia. Mais uma prova de que o
centro de lá não é igual ao centro
de cá.
(JULIANA DORETTO)
Mercado Central - Na esquina das calles 21 de Mayo e San Pablo. Domingo a
quinta, das 6h às 17h; sextas: até as 20h;
sábados, até as 18h.
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