São Paulo, quinta-feira, 20 de julho de 2006

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ACHADOS PERUANOS

Rica culinária mescla técnicas incas a pitadas espanholas, africanas e asiáticas; ceviche é só o começo

Mesa peruana é caldeirão de influências

DA ENVIADA ESPECIAL AO PERU

É difícil imaginar que em um país que faz fronteira com o Brasil seja possível olhar para uma mesa posta e saber o nome de apenas metade dos ingredientes. É isso exatamente que acontece no Peru.
Mas, apesar de ter ingredientes inéditos, a culinária é como quase todas as cozinhas de países que foram colonizados por europeus: uma combinação de influências indígenas, européias, africanas e asiáticas.
A receita é complexa. Pegue uma variedade enorme de ingredientes, disponível graças ao rico terreno -das 104 zonas biológicas que há no mundo, o Peru reúne em seu território 80 delas. Adicione receitas de antes da colonização, vindas dos incas, que, por sua vez, já haviam herdado conhecimentos de outros povos. Reserve. Junte novos ingredientes e novos preparos trazidos pelo colonizador espanhol. Sem se esquecer dos negros, também trazidos nos navios europeus. Deixe descansar de um dia para outro. Então junte as influências dos que chegaram bem depois: os chineses e os japoneses.
Dissecando um pouco essa receita: os incas legaram ao cardápio peruano as batatas, as pimentas e o hábito de consumir a carne da alpaca e do cuy -espécie de porquinho-da-índia. Há pratos que são preparados hoje da mesma forma que eram feitos antes da chegada dos espanhóis, como a carapulcra -cozido de carnes com batata seca e temperos- e a pachamanka -prato ritual, em que inúmeras carnes e vegetais são cozidos em um buraco na terra com pedras quentes.
Então, quando chegaram os espanhóis, trazendo arroz, galinha, uva, azeitona e laticínios, surgiram pratos como o ají de galinha -feito com pão velho, leite, pedaços de frango, queijo e várias pimentas, uma espécie de fricassê de frango invocado- e as papas a la huancaína -entrada em que as batatas são cobertas por um molho que tem queijo como base.
Os africanos, trazidos pelos espanhóis, emprestaram sua habilidade de fazer boas receitas com as sobras -bem como aconteceu no Brasil. Foram eles que criaram o tacu-tacu -prato corriqueiro em Lima, feito com arroz, feijão, banha de porco e pimenta.
Depois da independência do Peru, vieram outras ondas de imigrantes que ainda seriam definitivas para a variedade dessa cozinha.
Primeiro foram os chineses, que ensinaram aos locais técnicas de fritura, que deram origem a receitas como o lomo salteado, carne que tem cara e jeito de prato da China. Depois chegaram os japoneses e convidaram os peruanos a voltar os olhos para o Pacífico, resgatando frutos do mar. Foi então que foi criado o ceviche, comissão de frente da cozinha peruana.
Esse é o prato mais fácil de identificar da mesa peruana. Todos anseiam prová-lo. Aviso: nessas bandas, ele é apimentado e ácido, bem mais ardido do que seu equivalente chileno.
Mas o peixe cru cozido no limão ocupa apenas uma fração da cozinha peruana, que cede muito espaço para receitas que têm como base batatas e milhos -os deliciosos tamales, que lembram uma pamonha, aparecem doces no café e salgados no resto do dia. As batatas vêm ao prato fritas, cozidas e desidratadas, servem de base para molhos e surgem como purês em entradas frias e aos pedaços em cozidos substanciosos. E cereais pouco conhecidos dos brasileiros (como a quinua e a kiwicha) elevam as saladas ao primeiro plano da refeição. Não raro é preciso resistir a elas -sob pena de não conseguir provar os pratos principais. Vale recusar repetir a salada para comer os pratos quentes.
(HELOISA LUPINACCI)


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