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CONTAGEM REGRESSIVA
Praça que recebeu corte imperial vive dias plebeus
Área em que, em 1808, aportou dom João 6º e companhia, está suja e espera banho de loja -ou de esguicho
SILVIO CIOFFI
EDITOR DE TURISMO
Deveria ser um passeio turístico notável, mas não é. No entorno da praça Quinze e da estação das Barcas, no centro histórico do Rio, onde imperam o
Paço Imperial, de 1743, o chafariz do Mestre Valentim, de
1789, e o Arco do Teles, do século 18, o providencial banho de
loja -que se espera para as festas dos 200 anos da chegada da
corte, em 8 de março de 2008-
ainda não aconteceu.
Enquanto a tinta não chega e
não é armado ali um palanque,
um simples banho de esguicho
melhoraria a situação de degradação dessa área onde, há 200
anos, dom João 6º desembarcou com armas e bagagens, fugindo da invasão de Portugal
por tropas napoleônicas.
A providencial limpeza urbana já ajudaria a fomentar o turismo na região portuária do
Rio, ora em plena alta temporada de cruzeiros. Aos domingos,
com lojas e restaurantes fechados, a desolação é ainda maior:
e é nesse dia, em geral, que os
navios aportam na cidade.
Ali, além dos prédios ligados
à vinda da corte, ficam alguns
dos museus e institutos culturais do Rio, como o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB),
em prédio erguido entre 1880 e
1906, e a Casa França- Brasil,
que funciona na antiga Alfândega, de 1880.
Próximo da estação das Barcas, diante do Museu Histórico
Nacional, na praça Marechal
Âncora, as calçadas viraram banheiro público. Em visita realizada na tarde do último domingo, dia 16, o mau cheiro e a sujeira infestavam a paisagem.
Bons tempos
Atrás da Bolsa do Rio, onde
tem início a mítica rua do Ouvidor, o Rio Minho, na altura do
número 10, foi aberto em 1884 e
é tido como o mais antigo restaurante em atividade no país.
Ainda encanta pelas suas peixadas que seduziram, em épocas diversas, do barão do Rio
Branco ao dicionarista Antônio
Houaiss, mas aos domingos,
quando o restaurante não abre,
o abandono toma conta desse
lugar outrora fervilhante.
Machado de Assis, que morreu em 1908 (leia texto às págs.
F6 e F7), era figura fácil nessa
área. Hoje, no entanto, a caminhada dominical pela rua do
Ouvidor em direção à Confeitaria Colombo - aberta em 1894,
na rua Gonçalves Dias, 32-,
que também fecha aos domingos, é passeio temerário.
Assim, se em 27 de novembro
de 1807, o embarque de dom
João 6º rumo ao Brasil foi caótico, antecedido de chuva, com
uma corte de 11 mil pessoas fugindo das tropas napoleônicas
-e com dona Maria 1ª, mãe do
imperador, recusando-se,
enlouquecida, a embarcar, num
cenário enlameado-, hoje,
passados dois séculos, visitar o
local onde a esquadra chegou é
igualmente traumático.
Onda nova
A regeneração urbana em cidades portuárias ocorreu recentemente em Gênova, em
Lisboa e na Cidade do Cabo,
mas não chegou ao Brasil. Em
Gênova, a situação era análoga
à da praça Quinze carioca: com
a construção de uma via elevada, houve degradação, mas, embora decadentes, prédios históricos não foram destruídos. A
reforma readequou alguns e ergueu estruturas de lazer, aquário e calçadões.
Em Lisboa, com a Expo'98, a
zona portuária se tornou o parque das Nações. No Rio de Janeiro, enquanto a recuperação
não vem, bem que, a propósito
do bicentenário da vinda da
corte, essa área histórica poderia ser varrida pelo menos por
uma onda de limpeza.
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