São Paulo, quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

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CONTAGEM REGRESSIVA

Praça que recebeu corte imperial vive dias plebeus

Área em que, em 1808, aportou dom João 6º e companhia, está suja e espera banho de loja -ou de esguicho

SILVIO CIOFFI
EDITOR DE TURISMO

Deveria ser um passeio turístico notável, mas não é. No entorno da praça Quinze e da estação das Barcas, no centro histórico do Rio, onde imperam o Paço Imperial, de 1743, o chafariz do Mestre Valentim, de 1789, e o Arco do Teles, do século 18, o providencial banho de loja -que se espera para as festas dos 200 anos da chegada da corte, em 8 de março de 2008- ainda não aconteceu.
Enquanto a tinta não chega e não é armado ali um palanque, um simples banho de esguicho melhoraria a situação de degradação dessa área onde, há 200 anos, dom João 6º desembarcou com armas e bagagens, fugindo da invasão de Portugal por tropas napoleônicas.
A providencial limpeza urbana já ajudaria a fomentar o turismo na região portuária do Rio, ora em plena alta temporada de cruzeiros. Aos domingos, com lojas e restaurantes fechados, a desolação é ainda maior: e é nesse dia, em geral, que os navios aportam na cidade.
Ali, além dos prédios ligados à vinda da corte, ficam alguns dos museus e institutos culturais do Rio, como o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em prédio erguido entre 1880 e 1906, e a Casa França- Brasil, que funciona na antiga Alfândega, de 1880.
Próximo da estação das Barcas, diante do Museu Histórico Nacional, na praça Marechal Âncora, as calçadas viraram banheiro público. Em visita realizada na tarde do último domingo, dia 16, o mau cheiro e a sujeira infestavam a paisagem.

Bons tempos
Atrás da Bolsa do Rio, onde tem início a mítica rua do Ouvidor, o Rio Minho, na altura do número 10, foi aberto em 1884 e é tido como o mais antigo restaurante em atividade no país. Ainda encanta pelas suas peixadas que seduziram, em épocas diversas, do barão do Rio Branco ao dicionarista Antônio Houaiss, mas aos domingos, quando o restaurante não abre, o abandono toma conta desse lugar outrora fervilhante.
Machado de Assis, que morreu em 1908 (leia texto às págs. F6 e F7), era figura fácil nessa área. Hoje, no entanto, a caminhada dominical pela rua do Ouvidor em direção à Confeitaria Colombo - aberta em 1894, na rua Gonçalves Dias, 32-, que também fecha aos domingos, é passeio temerário.
Assim, se em 27 de novembro de 1807, o embarque de dom João 6º rumo ao Brasil foi caótico, antecedido de chuva, com uma corte de 11 mil pessoas fugindo das tropas napoleônicas -e com dona Maria 1ª, mãe do imperador, recusando-se, enlouquecida, a embarcar, num cenário enlameado-, hoje, passados dois séculos, visitar o local onde a esquadra chegou é igualmente traumático.

Onda nova
A regeneração urbana em cidades portuárias ocorreu recentemente em Gênova, em Lisboa e na Cidade do Cabo, mas não chegou ao Brasil. Em Gênova, a situação era análoga à da praça Quinze carioca: com a construção de uma via elevada, houve degradação, mas, embora decadentes, prédios históricos não foram destruídos. A reforma readequou alguns e ergueu estruturas de lazer, aquário e calçadões.
Em Lisboa, com a Expo'98, a zona portuária se tornou o parque das Nações. No Rio de Janeiro, enquanto a recuperação não vem, bem que, a propósito do bicentenário da vinda da corte, essa área histórica poderia ser varrida pelo menos por uma onda de limpeza.


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