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internacional
Vila tenta lidar com a sombra de Hitler
ALPES BÁVAROS -> Mesmo sem negar a história, lugar que era esconderijo do ditador quer ser visto como estância turística
DA ASSOCIATED PRESS
A estrada sobe a montanha e,
primeiro, deixa para trás pastos
e casas de pedra. Depois, some
qualquer tipo de vegetação. E
então chegam os picos nevados.
Em seguida vem o túnel -o
último trecho da jornada que
leva ao Ninho da Águia, o esconderijo de Hitler. A turista
norte-americana Erin Kelly,
23, entra no claustrofóbico túnel e admite: o simples fato de
imaginar que um dia Adolf Hitler fez o caminho contrário a
fez ficar arrepiada. "Foi estranho pensar que ele passou nesse lugar."
O Ninho da Águia fica na pequena cidade de Berchtesgaden, cravada nos alpes bávaros
a aproximadamente 1.830 metros de altitude. A vila foi o
playground particular de Hitler
durante os anos 1930 e 1940.
Era ali que ele planejava conquistas e genocídio. E era ali
que ele descansava e se divertia
com sua amante, Eva Braun, e
seu cachorro, Blondi.
Os aliados temiam que aquele fosse o palco de sua aparição
apocalíptica. Mas ele escolheu
o suicídio sob os escombros de
Berlim, em 30 de abril de 1945.
Peso
Desde que as tropas aliadas
conquistaram Berchtesgaden,
a cidade combate o peso da
sombra de Hitler e vive o questionamento de voltar ou não a
ser apenas um lugar tranqüilo
nas montanhas.
No Ninho da Águia agora
funciona um restaurante. Casais caminham de mãos dadas
pelos jardins, crianças escalam
pedras e turistas admiram os
corvos alpinos planando no
vento.
No restaurante, um veterano
da Segunda Guerra Mundial
chamado Shep Waldman tentava conciliar, em sua mente,
turismo, natureza e os horrores
associados ao Ninho da Águia.
O norte-americano Waldman, 83, passou pela cidade
com outros veteranos durante
um tour por campos de batalha
europeus. Apesar da sensação
incômoda, o veterano se encantou com a beleza do lugar. "Não
se pode esconder um lugar como esse. Deve haver turismo
aqui", disse.
A vila de Berchtesgaden, 8
km morro abaixo do Ninho, é
acolhedora, com pubs, restaurantes de salsichas e vistas de
montanhas. Há muito tempo a
cidade se livrou de todas as
suásticas e outras insígnias associadas ao nazismo -como
exigido pela lei alemã- e se refaz como um destino pacífico
para um feriado.
Os únicos símbolos nazistas
à vista estão no centro de exibição Dokumentation Obersalzberg -perto do InterContinental Berchtesgaden, hotel de luxo aberto há dois anos.
O centro funciona em um
complexo de bunkers com um
emaranhado de túneis subterrâneos ao redor do que era a
Berghof, a residência de Hitler
-que foi fortemente bombardeada em 1945 e destruída por
explosões sete anos depois.
Tanto o centro de exibição
como o resort só foram aprovados e instalados após um acordo em que os militares dos EUA
devolveram o controle da região à Baviera, em 1996.
A idéia de o esconderijo de
Hitler virar ponto de entretenimento ofendeu muitos intelectuais e grupos judeus na Europa. Mas Linda Pfnuer, a diretora do centro, defende que desfrutar a beleza de Berchtesgaden e o luxo do InterContinental deve ser algo que acontece
simultaneamente à preservação da triste memória do vale.
Muitos temeram que a área
se tornasse um foco neonazista,
o que não aconteceu. Ao contrário, uma pichação no muro
do complexo de bunker diz
"nunca mais".
As exposições -com fotos de
execução em massa de crianças
e adultos judeus e depoimento
gravado de um sobrevivente do
Holocausto- são um forte contraponto à bucólica paisagem.
Inicialmente, esperava-se
que o centro tivesse de 30 mil a
40 mil visitantes por ano. No
ano passado, 166 mil pessoas
foram até lá.
Uísque
Quando os soldados norte-americanos chegaram ao Ninho da Águia depois da rendição dos nazistas, eles brindaram com o uísque de Hitler.
Hoje, os hóspedes do InterContinental (www.berchtesgaden.intercontinental.com) podem provar o 1948
Glenlivit All Malt por US$ 130
cada dose.
A diária do hotel custa a partir de 290, para o casal, com
café da manhã. Se feita com antecedência, pode cair para
190. O spa do resort foi considerado o melhor da Alemanha.
O restaurante Le Ciel recebeu
sua primeira estrela no guia
Michelin. O cênico campo de
golfe é o mais alto do país. E
grandes companhias trazem
seus funcionários para a cidade
em viagens de incentivos.
"Se você fizesse isso três
anos atrás, todo mundo pensaria: "Meu Deus, eles têm muito
mau gosto". Agora se tornou
normal", diz Tom Bauer, gerente geral do hotel.
Mas Bauer afirma compreender os que consideram o
turismo algo pouco apropriado
nessa vila. Quando o hóspede
vai para a suíte, encontra um livro de 600 páginas chamado
"Die Todliche Utopie" -em
português, a utopia morta. O livro conta a ascensão e queda
do Terceiro Reich. "Não estamos escondendo a história",
diz Bauer. "Você a encontra em
nossos quartos."
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