São Paulo, quinta-feira, 21 de junho de 2007

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internacional

Vila tenta lidar com a sombra de Hitler

ALPES BÁVAROS -> Mesmo sem negar a história, lugar que era esconderijo do ditador quer ser visto como estância turística

DA ASSOCIATED PRESS

A estrada sobe a montanha e, primeiro, deixa para trás pastos e casas de pedra. Depois, some qualquer tipo de vegetação. E então chegam os picos nevados.
Em seguida vem o túnel -o último trecho da jornada que leva ao Ninho da Águia, o esconderijo de Hitler. A turista norte-americana Erin Kelly, 23, entra no claustrofóbico túnel e admite: o simples fato de imaginar que um dia Adolf Hitler fez o caminho contrário a fez ficar arrepiada. "Foi estranho pensar que ele passou nesse lugar."
O Ninho da Águia fica na pequena cidade de Berchtesgaden, cravada nos alpes bávaros a aproximadamente 1.830 metros de altitude. A vila foi o playground particular de Hitler durante os anos 1930 e 1940. Era ali que ele planejava conquistas e genocídio. E era ali que ele descansava e se divertia com sua amante, Eva Braun, e seu cachorro, Blondi.
Os aliados temiam que aquele fosse o palco de sua aparição apocalíptica. Mas ele escolheu o suicídio sob os escombros de Berlim, em 30 de abril de 1945.

Peso
Desde que as tropas aliadas conquistaram Berchtesgaden, a cidade combate o peso da sombra de Hitler e vive o questionamento de voltar ou não a ser apenas um lugar tranqüilo nas montanhas.
No Ninho da Águia agora funciona um restaurante. Casais caminham de mãos dadas pelos jardins, crianças escalam pedras e turistas admiram os corvos alpinos planando no vento.
No restaurante, um veterano da Segunda Guerra Mundial chamado Shep Waldman tentava conciliar, em sua mente, turismo, natureza e os horrores associados ao Ninho da Águia.
O norte-americano Waldman, 83, passou pela cidade com outros veteranos durante um tour por campos de batalha europeus. Apesar da sensação incômoda, o veterano se encantou com a beleza do lugar. "Não se pode esconder um lugar como esse. Deve haver turismo aqui", disse.
A vila de Berchtesgaden, 8 km morro abaixo do Ninho, é acolhedora, com pubs, restaurantes de salsichas e vistas de montanhas. Há muito tempo a cidade se livrou de todas as suásticas e outras insígnias associadas ao nazismo -como exigido pela lei alemã- e se refaz como um destino pacífico para um feriado.
Os únicos símbolos nazistas à vista estão no centro de exibição Dokumentation Obersalzberg -perto do InterContinental Berchtesgaden, hotel de luxo aberto há dois anos.
O centro funciona em um complexo de bunkers com um emaranhado de túneis subterrâneos ao redor do que era a Berghof, a residência de Hitler -que foi fortemente bombardeada em 1945 e destruída por explosões sete anos depois.
Tanto o centro de exibição como o resort só foram aprovados e instalados após um acordo em que os militares dos EUA devolveram o controle da região à Baviera, em 1996.
A idéia de o esconderijo de Hitler virar ponto de entretenimento ofendeu muitos intelectuais e grupos judeus na Europa. Mas Linda Pfnuer, a diretora do centro, defende que desfrutar a beleza de Berchtesgaden e o luxo do InterContinental deve ser algo que acontece simultaneamente à preservação da triste memória do vale.
Muitos temeram que a área se tornasse um foco neonazista, o que não aconteceu. Ao contrário, uma pichação no muro do complexo de bunker diz "nunca mais".
As exposições -com fotos de execução em massa de crianças e adultos judeus e depoimento gravado de um sobrevivente do Holocausto- são um forte contraponto à bucólica paisagem.
Inicialmente, esperava-se que o centro tivesse de 30 mil a 40 mil visitantes por ano. No ano passado, 166 mil pessoas foram até lá.

Uísque
Quando os soldados norte-americanos chegaram ao Ninho da Águia depois da rendição dos nazistas, eles brindaram com o uísque de Hitler. Hoje, os hóspedes do InterContinental (www.berchtesgaden.intercontinental.com) podem provar o 1948 Glenlivit All Malt por US$ 130 cada dose.
A diária do hotel custa a partir de 290, para o casal, com café da manhã. Se feita com antecedência, pode cair para 190. O spa do resort foi considerado o melhor da Alemanha. O restaurante Le Ciel recebeu sua primeira estrela no guia Michelin. O cênico campo de golfe é o mais alto do país. E grandes companhias trazem seus funcionários para a cidade em viagens de incentivos.
"Se você fizesse isso três anos atrás, todo mundo pensaria: "Meu Deus, eles têm muito mau gosto". Agora se tornou normal", diz Tom Bauer, gerente geral do hotel.
Mas Bauer afirma compreender os que consideram o turismo algo pouco apropriado nessa vila. Quando o hóspede vai para a suíte, encontra um livro de 600 páginas chamado "Die Todliche Utopie" -em português, a utopia morta. O livro conta a ascensão e queda do Terceiro Reich. "Não estamos escondendo a história", diz Bauer. "Você a encontra em nossos quartos."


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