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NO TABULEIRO
Espaço degradado hospeda duas das mais importantes academias baianas do jogo cultivado pelos escravos
Forte esconde a capoeira tradicional
DO ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR (BA)
Tarde de sábado no Mercado
Modelo. Sem berimbau -supremo sacrilégio para os puristas-,
acontece no ponto turístico uma
roda de capoeira.
Num desdobrar clássico da cena, assoma uma gringa no recinto
e saca a máquina fotográfica.
Aborda-a, continuação natural
do quadro, um capoeirista, que
lhe cobra uma taxa. Ela lhe dá o
dinheiro e só então há retratos.
Nada contra essa capoeira para
o turista ver, mas, se você quiser
conhecer exemplos mais embasados e, por assim dizer, "tradicionais" do jogo, esqueça o roteiro
mais manjado e não se satisfaça
com os shows folclóricos.
Partindo do largo do Pelourinho em demanda da ladeira do
Carmo e seguindo pela rua Direita de Santo Antônio, chega-se à
região do largo de Santo Antônio
além do Carmo, com uma igreja e
um forte homônimos.
O forte de Santo Antônio além
do Carmo (não confundir com o
forte "mainstream" de Santo Antônio da Barra, onde ficam o farol
da Barra e o mais badalado pôr-do-sol local), que remonta ao século 17, é também conhecido como forte da capoeira, pois é hoje
sede de dois grupos soteropolitanos cuja importância é inversamente proporcional ao estado de
conservação do endereço.
O lugar, que já foi uma cadeia,
está caindo aos pedaços e deve ser
reformado a partir do começo de
2005. O segurança não deixa fotografar o interior -não se quer
que seja divulgada a construção
em petição de miséria.
Abstraído o panorama, acham-se ali dois centros de referência da
chamada capoeira angola -grosso modo, mais negaceada, ritualística, quase coreográfica, em
contraste com a dita regional,
criada nos anos 1930 por Manoel
dos Reis Machado (1900-1974), o
mestre Bimba, provindo da angola. Ele transformou a capoeira em
esporte e foi o primeiro capoeirista a ter uma academia reconhecida oficialmente. Isso foi em 1937,
ano do Estado Novo de Getúlio
Vargas, interessado na institucionalização da cultura popular.
A regional evoca as artes marciais e fez, quando surgiu, a cabeça de jovens brancos abonados,
enquanto a angola foi perseguida
e esteve à margem, com o estrato
pobre, dos negros. Apesar das birras de praxe entre ambas ao longo
do tempo, o fato é que os praticantes do "estilo antigo" respeitam mestre Bimba. E costuma haver um sentimento recíproco em
relação aos cânones angoleiros
por parte da "educação física".
No térreo do forte, está a academia de mestre João Pequeno, 86,
que forma com mestre João Grande, que dá aulas em Nova York e é
16 anos mais novo, a mais mítica
dupla de capoeiras. Eles foram
discípulos de Vicente Ferreira
Pastinha (1889-1981), o mestre
Pastinha, que, amigo de Jorge
Amado e de Carybé, apesar de ter
morrido cego, na miséria e no esquecimento, é ora reverenciado.
A academia de Pastinha foi também freqüentada por mestre Moraes, aluno de João Grande. Moraes fundou o Grupo de Capoeira
Angola Pelourinho (Gcap), instalado no segundo pavimento do
Além do Carmo e que tem hoje
ramificações em Manchester, Tóquio, Fortaleza e São Luiz do Paraitinga (SP). Em fevereiro, o
Gcap concorreu ao Grammy na
categoria de world music tradicional. Em 1996, o grupo lançou o
seu primeiro CD pelo selo Smithsonian Folkways.
Na capoeira angola, em geral,
não há a graduação por cordões
coloridos, à moda das faixas do
caratê e do judô. Para jogá-la
-atenção: não é "lutar" ou "dançar"-, são freqüentemente proibidos os pés descalços.
Também no mais das vezes não
se batem palmas. Amarelo e preto, cores do clube de futebol de
coração de mestre Pastinha, o
Ypiranga, costumam estampar
respectivamente a camisa e a calça de alguns angoleiros, embora
haja mestres, caso de João Pequeno, que fazem uso do branco. A
formação da orquestra mais difundida compreende três berimbaus, dois pandeiros, um atabaque, um agogô e um reco-reco.
As rodas de mestre João Pequeno acontecem às terças, às quintas
e aos sábados, às 19h30, e aos domingos, às 17h; as de mestre Moraes, às 19h dos sábados.
(PEDRO IVO DUBRA)
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