São Paulo, segunda-feira, 22 de março de 2004

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TURISMO VERSUS TERRORISMO

Retirada de painéis rendeu à região prêmio de importante organização do Reino Unido

Bairro de Belfast remove murais violentos

Paul McErlane - 22.fev.2003/Reuters
Parede pintada pelo grupo unionista UDA na cidade de Belfast


DAVID MCKITTRICK
DO "INDEPENDENT"

Até para os padrões de Belfast, capital da Irlanda do Norte, abalada por gerações de conflitos, o bairro operário Shankill é visto como símbolo de falta de esperança. Salpicado de murais que exaltam a violência e são produzidos por grupos unionistas (defensores da manutenção do Ulster como uma Província do Reino Unido), o bairro tem uma imagem tão ruim que muitos moradores da cidade nunca foram para lá, outros têm medo de dirigir ali. O desemprego da região é alto; e o nível de desesperança, palpável.
Mas eis que, devido a um crescente sentimento de apego pelo local, Shankill se torna, hoje, um exemplo de recuperação.
Autoridades locais, em parceria com escolas, removeram 27 murais que aludiam à violência, assim como grafites com temas ligados à intolerância. Até agora, nenhum mural foi refeito. As lideranças unionistas estão, inclusive, cooperando com a remoção dos murais que glorificavam a exploração da violência.
Por causa desse trabalho, o bairro ganhou o prêmio de melhor trabalho de parcerias na conferência "People and Places 2004". O prêmio é visto como o mais importante entre os que são concedidos pela organização Keep Britain Tidy (algo como "mantenha o Reino Unido arrumado").
Um passeio pelo distrito mostra que muitos murais e muitas bandeiras continuam ali. Mas a surpresa está no fato de que a retirada dos primeiros painéis tenha acontecido no coração do bairro ligado ao paramilitarismo.
Alan Woods, presidente do prêmio Keep Britain Tidy, descreve a iniciativa como um dos mais importantes projetos de recuperação de uma área em muitos anos e comenta: "O objetivo é levar esperança para uma área que sempre foi evitada; as pessoas estão se concentrando em criar um bairro limpo e atraente para negócios e para turismo".
Desde o acordo de paz assinado em 1998, algumas partes de Belfast passaram por recuperação e agora têm uma atmosfera mais otimista. Mas o bairro de Shankill foi pouco beneficiado com o processo de paz.

Tensão
Paradoxalmente, os murais paramilitares dão um certo colorido para um distrito deprimente, porém as pinturas destacam justamente a miséria em vez de algo positivo. O início da remoção gerou tensão, pois, no passado, trabalhadores que retiravam murais foram intimidados e atacados.
Mas, dessa vez, a ação foi recebida de maneira positiva. Conforme o trabalho progredia, as pessoas começaram a contatar as autoridades para pedir a remoção de outros painéis.
Muitos ainda estão lá, e ninguém acredita que todos serão extintos. Mas a população está vendo a iniciativa como uma tentativa de uma comunidade devastada de produzir um pouco de esperança para o futuro.

Trabalho árduo
O cenário em Shankill é delicado. O bairro nunca teve um sistema de educação adequado, porque ele era visto como desnecessário pela comunidade local, já que seus jovens iam trabalhar muito cedo em firmas da grande Belfast, que davam preferência à mão-de-obra protestante.
Mas essas vagas de trabalho diminuíram quando uma crise abalou certos setores. Então o desemprego assolou o bairro, um golpe na auto-imagem do local, fortemente imbuído da ética de trabalho protestante.
A maioria católica de distritos republicanos adjacentes, como Ardoyne e Falls, desprezou a crise do vizinho. Eles consideravam que a área tinha uma injusta vantagem no mercado de trabalho.
Agora, no entanto, as estatísticas apontam alguns efeitos negativos da falta de investimento na educação: quase 60% dos jovens entre 16 e 24 anos de Shankill não estudaram; aproximadamente 80% dos chefes de família também não; o índice de gravidez na adolescência é alto e há muitas centenas de ex-presidiários morando ali.
Belfast é uma cidade marcada pelos conflitos entre republicanos e unionistas. Os unionistas querem que a região continue uma Província do Reino Unido. Os republicanos buscam a unificação com a República da Irlanda.
Em 1998, os governos britânico e irlandês, partidos políticos representando as duas comunidades na Irlanda do Norte e grupos paramilitares assinaram um acordo que assegura aos unionistas que o Ulster continue sendo parte do Reino Unido, fato que só será revisto caso haja consentimento da maioria da população em unir a região à República da Irlanda.


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