São Paulo, quinta-feira, 22 de março de 2007

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LITORAL ALAGOANO

Major esquadrinha expressões em livro

Primeira voluntária brasileira a se apresentar na Segunda Guerra Mundial, Elza levou museu a Maceió

DA ENVIADA ESPECIAL A ALAGOAS

Ela tem 36 medalhas e já enfrentou muita "mela" na vida. Alguém que reza para não entrar em uma "sangranga", mas paga para não sair de uma "brigada". Corajosa, detesta gente "sambuda" e "barata morta". Assim seria falar sobre a personalidade da major Elza Cansanção Medeiros, 85, em expressões regionais, segundo o Novo Dicionário de Alagoanês, de sua autoria. Uma rápida consulta ao livro traduz a personalidade dessa carioca que se tornou cidadã alagoana e correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (veja quadros desta página para traduzir o trecho acima). A escritora, jornalista e major falou à Folha sobre o livro e seu trabalho como primeira voluntária do exército brasileiro na Segunda Guerra Mundial.  

FOLHA - A senhora é carioca. Por que fazer um guia de "alagoanês"? MAJOR ELZA CANSANÇÃO MEDEIROS - Meus pais são alagoanos. E bastou eu passar alguns dias em Maceió, quando ainda era menina, para descobrir minha paixão pelo lugar. Sou carioca, mas cidadã alagoana.

FOLHA - E como surgiu a idéia de fazer o dicionário? ELZA - Eu já tinha visto dicionários de "baianês", "pernambucanês" e um monte de outros. Mas não havia um guia com expressões de Alagoas. Por isso comecei a pesquisar.

FOLHA - E como foi essa pesquisa? ELZA - Ah, a molecada me ajudou muito. Quando meus amigos de Maceió souberam, começaram a me ligar a cada expressão de que se lembravam. Moro no Rio, mas vivo indo pra Maceió. Passeando pelas ruas de lá, tinha até criança que me parava na rua para dar dicas.

FOLHA - O livro tem palavras engraçadas e até palavrões, mas sua figura é a de uma mulher séria... ELZA - Já vi muitas coisas tristes na vida. Até por isso acho que a gente só é feliz se tem a capacidade de, apesar de tudo, manter o bom humor.

FOLHA - Quando fala de já ter visto muita coisa triste se refere aos anos em que foi voluntária na Segunda Guerra Mundial (1939-1945)? ELZA - Eu era chefe das enfermeiras e presenciei coisas horríveis. Mas como meu pai era médico, eu já tinha um certo conhecimento da área.

FOLHA - Quando e por que a senhora decidiu ir para os campos de batalha na Itália? ELZA - Foi em 1942, quando vi navios brasileiros sendo torpedeados. Fiquei indignada e me apresentei ao Ministério de Guerra, pedindo para ser enviada representando o Brasil.

FOLHA - Mas o país ainda não tinha entrado na guerra. ELZA - Pois é. Cheguei a ouvir que era louca, que o Brasil não entraria e não fazia o menor sentido eu querer ir pra lá. Fui para Recife e pedi para que o general me mandasse assim que houvesse uma movimentação. Dois anos depois chegou uma carta, que perguntava se eu ainda estava disposta a ir.

FOLHA - Pelo jeito, estava... ELZA - Claro! Fiz o curso para enfermeiros de emergência do exército, fui selecionada e mandada para a Itália, com outras cinco mulheres, ainda antes das tropas. Tomamos conta de 1.200 leitos logo de cara.

FOLHA - Como seus pais reagiram? ELZA - Imagine uma mulher indo pra guerra... Minha mãe apoiou. Meu pai cortou relações comigo.

FOLHA - Como era o trabalho? ELZA - Fui chefe do hospital, coordenava uma equipe grande. Também fazia papel de intérprete quando os médicos precisavam.

FOLHA - Quais foram os piores momentos que viveu lá? ELZA - Ver gente sofrendo, ferimentos terríveis e amputações é um horror. Fiquei um ano e quatro dias convivendo com isso. Um dia, eu caí numa cratera de granada na hora de um alarme aéreo. Machuquei a coluna. Mesmo de muletas, continuei trabalhando.

FOLHA - Perdeu algum amigo ou parente na guerra? ELZA - Meu noivo, que era americano. A guerra tinha acabado, mas alguns grupos ainda não sabiam. Ele estava voltando para o alojamento quando foi atingido por uma granada.

FOLHA - A senhora organizou o Museu da Segunda Guerra Mundial, inaugurado em 1996. Como foi recolher todo o material? ELZA - Alguns objetos eram meus, mas a maioria foi enviada por um amigo italiano, que é colecionador. São aproximadamente 2.000 itens.

FOLHA - Com o que a senhora trabalha atualmente?
ELZA
- Com a preservação da memória histórica no Ministério do Exército do Palácio Duque de Caxias, no Rio.


MUSEU DA SEGUNDA GUERRA - Praça Olavo Bilac, 33, Maceió; tel.: 0/xx/82/3336-2086; grátis
www.20csm.eb.mil.br



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