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LITORAL BAIANO
Compositor baiano conheceu aldeia ainda intocada, mas passou ao largo do agito que chegou anos depois
Tom Zé foi a Arembepe antes dos hippies
MARINA DELLA VALLE
DA REPORTAGEM LOCAL
É impossível falar de música
brasileira e de compositores
baianos sem falar sobre Tom
Zé, 73, um dos criadores do
Tropicalismo. Mas ele já não
morava mais na Bahia no auge
da aldeia hippie de Arembepe,
por onde passaram diversos artistas com os quais colaborou.
Tom Zé conheceu Arembepe
antes de o local entrar na moda
-uma aldeia de pescadores
com belezas naturais que ele
nunca esqueceu. E nunca mais
voltou. Leia abaixo trechos da
entrevista que ele concedeu,
por telefone, à Folha.
FOLHA - Você visitou Arembepe
antes da época da aldeia hippie?
TOM ZÉ - Sim, em 1966, 67. Eu
fui à praia quando ela ainda era
uma inocente e virginal canção
praieira de Dorival Caymmi.
Era só uma aldeia de pescadores, e parentes de uma namorada minha tinham uma casa lá.
FOLHA - E como era Arembepe naquela época?
TOM ZÉ - Passei lá uns dias e vi a
grande atração, além do lugar
ermo, completamente tranquilo: logo depois da areia da praia,
havia umas pedras bem baixinhas. Quando a maré começava
a subir aquilo se tornava um espetáculo da natureza, todas as
ondas quebravam naquela pedra, era uma espécie de fonte
luminosa natural, dependendo
do ponto em que o sol estava.
Luz elétrica acho que nem tinha, se tinha era só nas casas.
FOLHA - Mas depois a mudança foi
grande...
TOM ZÉ - Quando Juscelino
[Kubitschek, 1902-1976] abriu
a estrada houve uma transformação. Quando eu fui para Salvador em 1949, era uma cidade
de 450 mil habitantes e ninguém ia à praia de dia de semana, nem tinha estradas, ainda
era semana inglesa. Quando o
Juscelino abriu a estrada, as
pessoas descobriram que era
possível ir a Salvador mesmo
em uma estrada de barro. E Salvador começou a entupir de
carro. Nós ficávamos na porta
do restaurante universitário, às
vezes, apostando se o próximo
carro que ia passar tinha placa
de Salvador ou de fora.
FOLHA - Mas você não nasceu em
Salvador, certo?
TOM ZÉ - Sou de Irará, que é
perto de Feira de Santana. Eu
me mudei para Salvador em
1949, quando fui fazer o ginásio, porque em Irará não tinha.
Eu passava oito meses em Salvador e quatro meses em Irará,
minha vida era praticamente
em Irará, na Bahia eu era muito
tímido. Só depois, no tempo
dessa viagem, que eu fiquei
mais solto, tinha amizades, tinha até namorada (risos). Nesse ano que eu já era presidente
do diretório de música eu já tinha amigos, tinha uma namorada, a Ieda, que é mãe do meu
filho, e tinha essa casa para onde fomos em Arembepe, completamente antes da fase hippie, de invasão. Na fase hippie
eu já estava em em São Paulo
fazendo "São Sao Paulo" etc.
FOLHA - Então você não conheceu
a aldeia hippie?
TOM ZÉ - Não, não. Eu ainda fui
à Bahia depois de ter vindo para
São Paulo, e em uma dessas viagens fiz a união entre Moraes
Moreira e Galvão, e eles se juntaram. Moraes Moreira e Galvão foram a coisa nuclear dos
Novos Baianos, um era letrista
e outro era compositor de melodias a quem por acaso eu tinha ensinado violão na escola
de música. E eles eu acho que
frequentaram esse mundo,
Arembepe já na moda, ainda
era um mundo virgem, só tinha
eles, os hippies. E tem uma lenda que conta que Baby Consuelo vivia debaixo da ponte, como
chamava a ponte? Começava o
movimento hippie, essa coisa
de morar debaixo da ponte.
FOLHA - Foi um prenúncio da era
hippie lá?
TOM ZÉ - O também que prenunciava Arembepe é que, em
Salvador, eu ia dormir na casa
de uma irmã minha, e quando
eu entrava, como durmo um
pouco mais cedo que a maioria
das pessoas, o quarto era meu.
Quando eu acordava de manhã,
o quarto estava cheio de gente
dormindo no chão. Naquele
tempo a Bahia não tinha hotel,
os baianos sempre foram acostumados a chamar para a sua
casa. Então você andava na rua,
encontrava gente que não tinha
onde dormir e levava para casa.
Toda casa de estudante, toda
pensão, casa entupia de gente
para dormir. Arempebe se tornou um dormitório a céu aberto, com pequenas coberturas
que os próprios hippies providenciavam.
FOLHA - Outro prenúncio foi a casa
cheia de hippies...
TOM ZÉ - Lembrei de uma história boa. Numa dessas vezes
eu cheguei à Bahia e fui para a
casa de minha irmã. Eu estava
com uma moça, e quando minha irmã chegou, perguntou a
minha sobrinha Daniela, hoje
mulher feita: Cadê o Tom Zé? E
Daniela disse: Saiu com uma
"hippa". Criança, ouvia falar
"um hippie" e disse "hippa".
FOLHA - E você não voltou mais para Arembepe até hoje?
TOM ZÉ - Sempre vou à Bahia,
mas para Arembepe nunca
mais fui. Depois eu ouvia falar,
Arembepe para cá, para lá. Eu
fui só daquela vez e guardei essa
lembrança por causa do espetáculo natural da onda, do sol que
de vez em quando colaborava,
fazendo aquela parede de água
que se levantava se colorir das
maneiras mais inesperadas.
Mas era uma aldeia virgem.
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