São Paulo, quinta-feira, 22 de abril de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LITORAL BAIANO
Compositor baiano conheceu aldeia ainda intocada, mas passou ao largo do agito que chegou anos depois

Tom Zé foi a Arembepe antes dos hippies

MARINA DELLA VALLE
DA REPORTAGEM LOCAL

É impossível falar de música brasileira e de compositores baianos sem falar sobre Tom Zé, 73, um dos criadores do Tropicalismo. Mas ele já não morava mais na Bahia no auge da aldeia hippie de Arembepe, por onde passaram diversos artistas com os quais colaborou.
Tom Zé conheceu Arembepe antes de o local entrar na moda -uma aldeia de pescadores com belezas naturais que ele nunca esqueceu. E nunca mais voltou. Leia abaixo trechos da entrevista que ele concedeu, por telefone, à Folha.

 

FOLHA - Você visitou Arembepe antes da época da aldeia hippie?
TOM ZÉ
- Sim, em 1966, 67. Eu fui à praia quando ela ainda era uma inocente e virginal canção praieira de Dorival Caymmi. Era só uma aldeia de pescadores, e parentes de uma namorada minha tinham uma casa lá.

FOLHA - E como era Arembepe naquela época?
TOM ZÉ
- Passei lá uns dias e vi a grande atração, além do lugar ermo, completamente tranquilo: logo depois da areia da praia, havia umas pedras bem baixinhas. Quando a maré começava a subir aquilo se tornava um espetáculo da natureza, todas as ondas quebravam naquela pedra, era uma espécie de fonte luminosa natural, dependendo do ponto em que o sol estava. Luz elétrica acho que nem tinha, se tinha era só nas casas.

FOLHA - Mas depois a mudança foi grande...
TOM ZÉ
- Quando Juscelino [Kubitschek, 1902-1976] abriu a estrada houve uma transformação. Quando eu fui para Salvador em 1949, era uma cidade de 450 mil habitantes e ninguém ia à praia de dia de semana, nem tinha estradas, ainda era semana inglesa. Quando o Juscelino abriu a estrada, as pessoas descobriram que era possível ir a Salvador mesmo em uma estrada de barro. E Salvador começou a entupir de carro. Nós ficávamos na porta do restaurante universitário, às vezes, apostando se o próximo carro que ia passar tinha placa de Salvador ou de fora.

FOLHA - Mas você não nasceu em Salvador, certo?
TOM ZÉ
- Sou de Irará, que é perto de Feira de Santana. Eu me mudei para Salvador em 1949, quando fui fazer o ginásio, porque em Irará não tinha. Eu passava oito meses em Salvador e quatro meses em Irará, minha vida era praticamente em Irará, na Bahia eu era muito tímido. Só depois, no tempo dessa viagem, que eu fiquei mais solto, tinha amizades, tinha até namorada (risos). Nesse ano que eu já era presidente do diretório de música eu já tinha amigos, tinha uma namorada, a Ieda, que é mãe do meu filho, e tinha essa casa para onde fomos em Arembepe, completamente antes da fase hippie, de invasão. Na fase hippie eu já estava em em São Paulo fazendo "São Sao Paulo" etc.

FOLHA - Então você não conheceu a aldeia hippie?
TOM ZÉ
- Não, não. Eu ainda fui à Bahia depois de ter vindo para São Paulo, e em uma dessas viagens fiz a união entre Moraes Moreira e Galvão, e eles se juntaram. Moraes Moreira e Galvão foram a coisa nuclear dos Novos Baianos, um era letrista e outro era compositor de melodias a quem por acaso eu tinha ensinado violão na escola de música. E eles eu acho que frequentaram esse mundo, Arembepe já na moda, ainda era um mundo virgem, só tinha eles, os hippies. E tem uma lenda que conta que Baby Consuelo vivia debaixo da ponte, como chamava a ponte? Começava o movimento hippie, essa coisa de morar debaixo da ponte.

FOLHA - Foi um prenúncio da era hippie lá?
TOM ZÉ
- O também que prenunciava Arembepe é que, em Salvador, eu ia dormir na casa de uma irmã minha, e quando eu entrava, como durmo um pouco mais cedo que a maioria das pessoas, o quarto era meu. Quando eu acordava de manhã, o quarto estava cheio de gente dormindo no chão. Naquele tempo a Bahia não tinha hotel, os baianos sempre foram acostumados a chamar para a sua casa. Então você andava na rua, encontrava gente que não tinha onde dormir e levava para casa. Toda casa de estudante, toda pensão, casa entupia de gente para dormir. Arempebe se tornou um dormitório a céu aberto, com pequenas coberturas que os próprios hippies providenciavam.

FOLHA - Outro prenúncio foi a casa cheia de hippies...
TOM ZÉ
- Lembrei de uma história boa. Numa dessas vezes eu cheguei à Bahia e fui para a casa de minha irmã. Eu estava com uma moça, e quando minha irmã chegou, perguntou a minha sobrinha Daniela, hoje mulher feita: Cadê o Tom Zé? E Daniela disse: Saiu com uma "hippa". Criança, ouvia falar "um hippie" e disse "hippa".

FOLHA - E você não voltou mais para Arembepe até hoje?
TOM ZÉ
- Sempre vou à Bahia, mas para Arembepe nunca mais fui. Depois eu ouvia falar, Arembepe para cá, para lá. Eu fui só daquela vez e guardei essa lembrança por causa do espetáculo natural da onda, do sol que de vez em quando colaborava, fazendo aquela parede de água que se levantava se colorir das maneiras mais inesperadas. Mas era uma aldeia virgem.


Texto Anterior: Saturado, Arembepe investe em infra turística
Próximo Texto: No centro, visite capela e prove prato à base de pescados
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.