São Paulo, quinta-feira, 22 de junho de 2006

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A 89 KM DE SP

Soldado trouxe aprendizado da iguaria após lutar na Segunda Guerra e começou a produzi-la artesanalmente

Genuína lingüiça bragantina traz receita italiana

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
EM BRAGANÇA PAULISTA (SP)

Que Bragança Paulista é a terra da lingüiça quase todo mundo sabe. O que confunde muita gente, inclusive os moradores, é a grande quantidade de placas informando que ali se vende, sim, a legítima lingüiça bragantina. Aquela com tradição de mais de 55 anos. Mas, afinal de contas, onde é possível comprar a verdadeira?
De certo modo, a maioria dessas placas está dizendo a verdade. Muitas casas vendem a lingüiça produzida em Bragança, e várias usam a receita que por ali aportou nos anos 40. Ela foi trazida da Itália pelo então soldado Octavio Pereira Lente, que fora à Europa lutar na Segunda Guerra Mundial.
Lente começou a produzir a lingüiça artesanalmente no bar do Rosário, que na época pertencia ao seu pai. A iguaria fez tanto sucesso que ele precisou da ajuda da família toda para dar conta do recado: a mulher, Mariquita, o irmão Sebastião, a cunhada Anazir. Esta última só colocou a mão na massa, quer dizer, na lingüiça, em 1958, quando se casou com Sebastião. "Lembro que o bar ficava lotado de gente perto das 14h, 15h, horário em que os ônibus chegavam ao ponto, ali perto."
A família vendeu o bar nos anos 60. E Sebastião continuou produzindo lingüiças em casa até 2005, quando adoeceu. Viúva há cerca de quatro meses, Anazir diz que hoje não tem mais coragem de comprar lingüiça por aí. "Tião só fazia calabresa com pernil de primeira e tripa de carneiro importada, o que era muito caro. Quando vejo hoje o preço da lingüiça nos supermercados e nos açougues, me pergunto o que eles colocam lá dentro." Ela lembra que, nos últimos tempos, Sebastião era o único a cortar o pernil na faca, processo hoje substituído por moedores de carne. "Ele separava todos os nozinhos com as próprias mãos."
Anazir diz sentir muitas saudades de um bom sanduíche de calabresa com queijo, no pão francês. E pretende degustar a iguaria no bar do Rosário, que nunca deixou de vender a lingüiça preparada com a receita da família Lente. Desde que o clã vendeu o ponto, sete pessoas já assumiram o seu comando. E Mariquita, a viúva de Octavio, ensinou seu segredo a todas elas. Porém o movimento não é o mesmo da sua época. "Hoje, aquela região é mais residencial, e à noite fica meio morta", justifica Anazir.
Atualmente o Rosário pertence a Dailton Medeiros, um chef cearense que já passou por vários restaurantes de São Paulo. Ele diz ter dois sonhos: reerguer o bar, devolvendo-lhe o prestígio de outrora, e montar uma casa no bairro paulistano da Vila Madalena, para lá fazer caprichados pratos com sua genuína calabresa bragantina -que, diga-se de passagem, continua muito boa e valendo a fama (o sanduíche de calabresa com queijo e molho vinagrete custa R$ 3,50, e a porção de lingüiça com cebola, um dos hits do bar, R$ 9,80).
Dailton comprou o ponto de Manoel Dantas de Almeida, hoje dono da lanchonete do Rosário, na entrada da cidade. Ao abrir uma casa em ponto tão privilegiado, seus negócios cresceram tanto que ele está construindo uma nova unidade do outro lado da rua, com inauguração prevista para o dia 30. "Vendo duas toneladas de lingüiça por mês", diz.
Embora faça a iguaria com a receita original do Rosário, como diz a placa na entrada da casa, ele não é mais o dono da marca. Ali o "cheesecalabresa" com vinagrete custa R$ 4, e a calabresa com arroz, feijão, ovo e salada sai por R$ 6,50.

Outras modas
Além da calabresa bragantina, preparada do mesmo modo há quase 60 anos, Bragança vende outras lingüiças de ótimo sabor, embora sem tradição. É o caso da Lingüiçaria Bragança e do Empório Bragança. Inaugurado em abril, este último vende uma surpreendente calabresa recheada com provolone, azeitonas chilenas e ervas (R$ 15,90 o quilo), lingüiça de filé de frango, sem pele nem gordura (R$ 11 o quilo), e a tradicional calabresa pura de pernil (R$ 12,50 o quilo).
Localizado ao lado do bar do Nikko -um dos points bragantinos de fim de tarde -, o Empório não serve sanduíches nem porções no local por um acordo com o vizinho, mas fornece para ele suas iguarias e funciona na base do "delivery". Os sanduíches vêm num pão cuja massa mescla a do pão francês com a do italiano (o sanduíche de calabresa com queijo custa R$ 5). O Empório Bragança ainda tem produção própria de outras delícias, como tomate seco (R$ 18 o quilo) e pão de alho com azeitona (R$ 1,50 o pacote de cem gramas). (MARISTELA DO VALLE E FABRÍCIA FURUZAVA)

ONDE COMER - bar do Rosário: r. Barão de Juqueri, 6; tel. 0/xx/11/ 4034-3748; lanchonete do Rosário: av. D. Pedro, 1.430, tel. 0/xx/11/ 4032-8190; Empório Bragança: r. Conselheiro Rodrigues Alves, 155; tel. 0/xx/11/4033-4789; Lingüiçaria Bragança: praça 9 de Julho, 30, tel. 0/xx/11/4033-2226.


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