São Paulo, quinta-feira, 23 de março de 2006 |
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SENHORA DE LETRAS A professora da USP Nelly Novaes Coelho, 84, diz que aprender uma língua aperfeiçoa a mente "Com uma língua, o cérebro ganha um chip"
JULIANA DORETTO TROCA DE ARMAS - O francês já foi uma língua oficial da cultura. Isso esteve ligado ao poder cultural que a França deteve por muitos anos. Foi o canal que tivemos para conhecer os romancistas russos, os autores ingleses. Um canal de sabedoria. Os romanos, quando dominavam o povo de uma certa região, impunham sua língua, porque só pelas armas eles não manteriam a conquista. Porque a língua é a base da identidade de um povo. O domínio da França não foi pelas armas, foi cultural. Foi o corredor por onde passou toda a cultura do mundo ocidental. Na segunda metade do século 19, os grandes gênios iam para a França. Hoje os EUA são um grande país porque os gênios vão para lá. O inglês hoje é a língua dominante. Claro que está ligado ao poder econômico. Mas eu li todos os grandes nomes em francês. Inclusive "Dom Quixote" [risos]. É a minha língua predileta. PENSAMENTO E LINGUAGEM - Vemos hoje as pessoas usando a linguagem cyber, que é sintetizada. Um dialeto. Você tem que usar essa linguagem só na internet. Porque quem não domina a linguagem em sua extensão não se prepara para receber conhecimento, já que o pensamento é organizado pela linguagem. O cérebro fica atrofiado. É como o computador: sem o chip, ele não trabalha. E o nosso chip é o estudo da língua e da literatura, que é a vida transformada em palavras, e palavras organizadas. TURBINADO - Estudos neurológicos provaram que a aprendizagem de uma linguagem nova forma um novo sistema operacional e amplia a esfera do conhecimento. Os neurônios se organizam em um novo sistema. Nós só adquirimos conhecimento devido a um sistema de conexão de neurônios, que foi reproduzido na máquina, no computador. Quando se aprende uma língua, entra-se com um programa novo. É um novo sistema operacional, que atua ao lado do que existia. Uma linguagem, fisiologicamente, organiza o cérebro para ampliar o conhecimento. Com uma língua, seu cérebro ganha um chip. CANADÁ - No Brasil, temos um tesouro: um país continental que usa um língua só, de ponta a ponta. É raríssimo. Há divergências de sotaque, de vocabulário, de pronúncia. Mas a estrutura da linguagem permanece. Isso significa que as relações de pensamento são iguais. No Canadá, temos dois países em um. Quem fala o francês tem uma visão de mundo diferente de quem fala o inglês. Não posso dizer o que caracteriza cada um, mas sei que são diferentes. REGRESSO - Está havendo uma volta ao francês. Estou vendo muitas pessoas interessadas em aprender a língua, porque sentem necessidade de cultura. E cultura não é um acúmulo de informação. É poder interrogar e entender o seu tempo. Se você não tem um projeto, um gancho para pendurar as informações recebidas, não faz sentido. Como o francês é uma linguagem rica, abre mais o pensamento que o inglês, que não é uma língua de cultura. É pragmática, para o mercado e a internet. |
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