São Paulo, quinta-feira, 23 de março de 2006

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SENHORA DE LETRAS

A professora da USP Nelly Novaes Coelho, 84, diz que aprender uma língua aperfeiçoa a mente

"Com uma língua, o cérebro ganha um chip"

JULIANA DORETTO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Quando Nelly Novaes Coelho começou a faculdade de letras neolatinas, era seu dedo que chamava a atenção dos outros alunos. Em 1956, aos 34 anos, carregando uma aliança e com filho, ela decidiu que iria estudar. Sorte de nossas letras e da literatura. Em seus 46 anos de carreira, a pesquisadora e crítica literária já publicou 28 livros e, apesar de aposentada como docente titular na FFLCH (Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas), da USP, está longe da inatividade. "Sabe por que eu estou tão bem mesmo com 84 anos? Porque nunca parei de estudar", diz, soltando uma gargalhada, em sua voz rouca e gentil.
Em entrevista à Folha ela fala sobre seu amor pela língua francesa -"eu li todos os grandes nomes em francês"- e sobre as vantagens do aprendizado de uma segunda língua -"seu cérebro ganha um chip".

 

TROCA DE ARMAS - O francês já foi uma língua oficial da cultura. Isso esteve ligado ao poder cultural que a França deteve por muitos anos. Foi o canal que tivemos para conhecer os romancistas russos, os autores ingleses. Um canal de sabedoria. Os romanos, quando dominavam o povo de uma certa região, impunham sua língua, porque só pelas armas eles não manteriam a conquista. Porque a língua é a base da identidade de um povo. O domínio da França não foi pelas armas, foi cultural. Foi o corredor por onde passou toda a cultura do mundo ocidental. Na segunda metade do século 19, os grandes gênios iam para a França. Hoje os EUA são um grande país porque os gênios vão para lá. O inglês hoje é a língua dominante. Claro que está ligado ao poder econômico. Mas eu li todos os grandes nomes em francês. Inclusive "Dom Quixote" [risos]. É a minha língua predileta.

PENSAMENTO E LINGUAGEM - Vemos hoje as pessoas usando a linguagem cyber, que é sintetizada. Um dialeto. Você tem que usar essa linguagem só na internet. Porque quem não domina a linguagem em sua extensão não se prepara para receber conhecimento, já que o pensamento é organizado pela linguagem. O cérebro fica atrofiado. É como o computador: sem o chip, ele não trabalha. E o nosso chip é o estudo da língua e da literatura, que é a vida transformada em palavras, e palavras organizadas.

TURBINADO - Estudos neurológicos provaram que a aprendizagem de uma linguagem nova forma um novo sistema operacional e amplia a esfera do conhecimento. Os neurônios se organizam em um novo sistema. Nós só adquirimos conhecimento devido a um sistema de conexão de neurônios, que foi reproduzido na máquina, no computador. Quando se aprende uma língua, entra-se com um programa novo. É um novo sistema operacional, que atua ao lado do que existia. Uma linguagem, fisiologicamente, organiza o cérebro para ampliar o conhecimento. Com uma língua, seu cérebro ganha um chip.

CANADÁ - No Brasil, temos um tesouro: um país continental que usa um língua só, de ponta a ponta. É raríssimo. Há divergências de sotaque, de vocabulário, de pronúncia. Mas a estrutura da linguagem permanece. Isso significa que as relações de pensamento são iguais. No Canadá, temos dois países em um. Quem fala o francês tem uma visão de mundo diferente de quem fala o inglês. Não posso dizer o que caracteriza cada um, mas sei que são diferentes.

REGRESSO - Está havendo uma volta ao francês. Estou vendo muitas pessoas interessadas em aprender a língua, porque sentem necessidade de cultura. E cultura não é um acúmulo de informação. É poder interrogar e entender o seu tempo. Se você não tem um projeto, um gancho para pendurar as informações recebidas, não faz sentido. Como o francês é uma linguagem rica, abre mais o pensamento que o inglês, que não é uma língua de cultura. É pragmática, para o mercado e a internet.


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