São Paulo, quinta-feira, 23 de agosto de 2007

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IDAS E VINDAS

"Quero fugir da mesmice afro-brasileira"

Curador e artista plástico baiano foi ao Benin para compor mostra que revive o país em museu de SP

SILVIO CIOFFI
EDITOR DE TURISMO

Emanoel Araujo revolve o ambiente cultural paulistano organizando, no museu Afro Brasil, que dirige, exposição que traz luz sobre o Benin.
Aberta no dia 16 com a presença do atual presidente beninense, Thomas Yayi Boni (leia texto nesta página), e pelo governador de São Paulo, José Serra, de quem Emanoel Araujo foi o secretário municipal da Cultura, a mostra também evidencia laços ancestrais entre o Brasil e o Benin, reunindo imagens atuais e obras de artistas contemporâneos beninenses.
Leia a seguir trechos de entrevista concedida por Emanoel Araujo à Folha:
 

BENIN
"Uma curiosidade sobre o Benin e a sua história me acompanha há muito tempo, desde que me interessei pela relação da Bahia com a África. Sempre tive vontade de ir lá. Minhas referências eram, além de Pierre Verger, o Waldeloir Rêgo e a literatura em torno desse assunto, que envolve etnologia e antropologia. Na realidade, fui ao Benin muito interessado na contemporaneidade da África, para sair um pouco da mesmice do folclore afro-brasileiro."

PONTE
"O candomblé e o vodum são parecidos. A religião é igual: lá como cá temos Ogum e Xangô, mas a Bahia, de certa maneira, reinventou a África. Só que lá essas divindades são cultuadas em áreas diferentes, não são agrupadas como no Brasil. Pessoas de etnias diferentes vieram para cá."

CONTEMPORANEIDADE
"E queria explorar a contemporaneidade africana, expor obras de artistas como Romuald Hazoumé, beninense agora presente nos grandes museus do mundo. E há artistas fortes de hoje com trabalhos que podem ser vistos no museu Afro Brasil (www.mu seuafrobrasil.com.br), como Aston e Cyprien Tokoudagba.
Aston fez brinquedos expostos na mostra "Benin Está Vivo Ainda Lá", e também uma instalação de um navio negreiro.
Essa exposição que está no museu Afro Brasil é uma prévia: haverá reforço de obras a partir de outubro, pois o que eu queria de fato é que tivéssemos um entendimento mais profundo e político -e menos folclórico- do que é o Benin hoje.
Quero ainda trazer a moda, mostrar que eles tem uma liberdade enorme, que vão à praia de traje de seda. E os bordados! Vamos trazer também um costureiro e um bordador. E um escultor também."

AGUDÁS
"O presidente Yayi Boni mencionou a questão dos agudás. Cerca de 5 ou 10% da população beninense descende de escravos ou comerciantes baianos -os agudás- que emigraram de volta para o golfo do Benin, depois da Abolição da Escravatura, formando uma sociedade que está lá até hoje. Há nomes como Souza, Costa, Rego, todos pronunciados de modo afrancesado. E comidas, como "feijoadá" e "kousido". Ainda guardam traços culturais que os ligam a seus ancestrais que vieram do Brasil, festejam o bumba-meu-pai, o Senhor do Bonfim, as mulheres se vestem à brasileira. A avenida do Brasil, ainda leva do forte português até a praia, em Porto Novo."

DAR AS MÃOS
"Não acho que devamos fazer apadrinhamentos, paternalismo, mas podemos reconhecer esses laços -e me encanta a possibilidade de o Brasil, com o agronegócio, através da embaixada brasileira que há agora lá, dar uma mão ao Benin, país que é pobre e que nos diz respeito.
Ajudar na lavoura de algodão, com o álcool combustível e energia -há lá muito apagão, a energia vem de Gana.
Angola é um país potencialmente rico e o Brasil está lá.
A China, por outro lado, está ligada ao Benin, onde tem interesses econômicos, explora minérios e faz construção civil."

TURISMO
"Nosso turista é "meio europeu". Gosta de ir a Paris e a Portugal, que aliás é uma maravilha, também ligado a nós por laços de sangue, históricos e afetivos. Mas há americanos fazendo turismo no Benin, visitando praias, as florestas no norte do país, interessados em religião -e não se vê por lá viajantes brasileiros. A relação do Benin, por motivos étnicos, culturais e religiosos, é com Cuba e com o Brasil. Não dá para dizer que as cidades são belas pelo nosso padrão, na África as coisas não têm a mesma perenidade. Existem monumentos, mas a história das colonizações bate fundo, como também foram complicadas as influências na época do comunismo.
O turismo lá não é um turismo cartesiano, à francesa. Eles são, à maneira deles, livres, alegres, um povo tranqüilo, ingênuo, falando uma língua próxima do iorubá. E estamos no coração daquelas pessoas."

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