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LEGADO RUSSO
Letras em cirílico não inibem visita a monumentos de Moscou e São Petersburgo
Beleza supera "analfabetismo" local
DO ENVIADO ESPECIAL À RÚSSIA
Há dias o primeiro-ministro
russo, Michail Kasyanov, lamentou que apenas 8 milhões de turistas tenham visitado seu país no
ano passado. Mas, se o número é
pequeno -um décimo daquele
registrado na França-, a culpa é
em parte de seu próprio governo.
Ele gastou em 2001 apenas US$
140 mil na divulgação externa de
seus inúmeros pontos de atração.
Com essa ridícula dotação, pouco
fez para quebrar o gelo agregado à
imagem da Rússia durante a
Guerra Fria e o longo período de
regime comunista (1917-1991).
O governo também não se esforçou para tornar o turismo mais
amigável aos estrangeiros. Não
custaria quase nada, por exemplo,
acrescentar a transcrição em alfabeto latino às denominações das
ruas de São Petersburgo ou ao nome dos pintores russos no museu
Púshkin, de Moscou.
Na Grécia, com outro alfabeto
local estranho aos não-iniciados,
o governo faz isso. Pensa bem
mais nos turistas, que são, aliás, a
principal fonte de renda externa.
Mesmo assim, é secundário o
desconforto provocado pelo efêmero analfabetismo que vitima
um ocidental em meio a placas
grafadas em alfabeto cirílico.
Isso porque a Rússia é um país
superlativamente belo.
As edificações horrorosas que
exprimem a suposta idéia de
"grandeza proletária" -foi o gênero arquitetônico predileto do
ditador Joseph Stálin- diluem-se em panoramas em que predominam palácios do século 18.
Talvez a única vantagem do
chamado socialismo real tenha sido a preservação do patrimônio
urbano herdado dos tempos dos
czares (imperadores).
Sem capitalismo e especulação
imobiliária, as cidades russas se livraram dos paliteiros de arranha-céus, mesmo que o comunismo
tenha feito um pouco desse serviço sujo: Moscou tem sete grandes
prédios tipicamente stalinistas e
parecidos um com o outro, como
o da universidade, com 40 mil salas, ou o do hotel Ucrânia, com 34
andares e 1.036 apartamentos.
São Petersburgo escapou dessa
epidemia visual. É linda, uma
mistura de Paris e Praga. Fundada
em 1703 pelo czar Pedro, o Grande, não tem fortificações medievais ou templos góticos. Criou
uma simulação de passado, como
o barroco produzido no século 19
para a catedral de Santo Isaac.
As catedrais russas, com torres
encimadas por abóbadas em forma de cebola, são avessas a qualquer modernidade. A comunidade ortodoxa inaugurou em Moscou, há coisa de dois anos, a catedral do Salvador, coberta de mármore e pedras semipreciosas.
Mas parece um prédio tão antigo
quanto os erguidos no século 16
no reinado de Ivan, o Terrível.
Ivan 4º é um dos ícones históricos do país. Durante o seu reinado
(1547-1584), a Rússia expandiu
seu território e instaurou uma
monarquia absolutista. Ivan é
também suspeito de ter matado
suas mulheres e comprovadamente matou o próprio filho. São
narrativas que rendem bons momentos de visita ao Kremlin.
Em São Petersburgo a monarca
de quem se fala é Catarina 2ª, a
Grande (1729-1796). Princesa alemã que se casou com Pedro 3º, foi
cúmplice dos oficiais que o estrangularam. Teve mais de 20
amantes e foi amiga de filósofos
franceses. Deu à então capital refinamento intelectual e artístico.
O último dos ícones é mais controvertido. Mas seu corpo embalsamado ainda é visitado cinco
dias por semana, das 10h às 13h,
no mausoléu da praça Vermelha.
Vladimir Ilich Lênin (1870-1924), líder da Revolução Bolchevista, está com seus museus às
moscas. Mas seu rosto, a foice e o
martelo estão nas lojas de suvenires, nas boinas vendidas por mascates moscovitas da rua Arbat e
na cabeça dos saudosistas do comunismo, 30% dos votos nas
duas últimas eleições.
Esse Lênin como curiosidade
turística tem pouco a ver com a
história. Pode virar até um símbolo pitoresco. A exemplo do Mickey Mouse na Disneylândia.
(JOÃO BATISTA NATALI)
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