São Paulo, segunda-feira, 24 de junho de 2002

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LEGADO RUSSO

Além de poucos motoristas terem carteira há mais de 15 anos, excesso de carros inferniza trânsito no país

Barbeiragem protagoniza cenas urbanas

DO ENVIADO ESPECIAL À RÚSSIA

Esqueçam aquela imagem das amplas avenidas quase desertas nas cidades russas. As avenidas estão igualzinhas, mas hoje quase todas estão congestionadas.
A produção dos Lada ou dos Volga não daria conta da demanda. O governo russo então autorizou a importação maciça de carros usados, geralmente da Alemanha. Eles somaram 80% dos veículos estrangeiros que a Rússia comprou no ano passado.
Moscou, com 10 milhões de habitantes, já tem 2 milhões de carros. Mas, como são poucos os russos que usavam carteira de habilitação há 15 anos, agora é um deus-nos-acuda. Fecha-se o cruzamento e se avança o sinal vermelho sem a menor cerimônia.
A poluição começa a se tornar um problema. Afeta a qualidade de vida nas grandes cidades com uma parcela invejável -40% em Moscou- de áreas verdes.
A balbúrdia convive com um sistema de transporte coletivo exemplar. Em São Petersburgo, os bondes e o metrô cobram 6 rublos por trajeto. Em Moscou, a tarifa é ainda de 5 rublos (cerca de R$ 0,50). Os bondes são frequentes, para que no inverno ninguém congele no ponto por mais de dois minutos. O metrô acompanha esse padrão. Suas linhas circulam a 100 m de profundidade. Funcionariam como abrigo em caso de guerra nuclear.

Vida nova
As grandes fortunas são muito recentes na Rússia. Têm pouco mais de dez anos. Os muito ricos frequentam lojas de grife internacional, em que um casaco de pele custa US$ 7.000 e um par de sapatos, até US$ 700. Há muitos Mercedes 600 pelas ruas.
No pólo oposto, a óbvia pobreza. É comovente ser abordado em Moscou, num inglês perfeito, por um homem de meia-idade, malvestido, engenheiro químico desempregado. Pede US$ 2 para comer. Em São Petersburgo, choca a imagem de um soldado, uniforme de infantaria, numa cadeira de rodas e duas pernas amputadas no Afeganistão ou na Tchetchênia. No peito, ostenta quatro medalhas. A mão está estendida. Pedindo esmola.
O pobre russo é ainda um dependente do Estado. Não entrou no mercado imobiliário. Mora em apartamentos públicos, onde calefação (faz 25C negativos no inverno), gás e telefone custam uma taxa mensal simbólica. Mas é entre eles que ocorre o retrocesso nos indicadores sociais: diminuição da expectativa de vida, aumento da mortalidade infantil. Há também crescimento demográfico negativo. Cada casal tem hoje, em média, só 1,25 filho.
A população que empobreceu sente saudades do regime anterior. É gente que vota em Zyuganof, chefe do Partido Comunista, segundo colocado na eleição que elegeu Vladimir Putin.
Os comunistas são ruidosos. Com a primavera, encontram-se junto ao Kremlin, em Moscou, próximo à estátua do marechal Georgy Zhukov, comandante do Exército Vermelho que ocupou Berlim em 1945. Empunham bandeiras vermelhas e cantam hinos à glória do proletariado.
(JOÃO BATISTA NATALI)


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