|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
sp 453
Escritores esmiúçam a São Paulo recente
LITERATURA Jardins, Vila Nova Conceição e Vila Madalena estão entre os bairros em que vivem personagens de ficção
THIAGO MOMM
DA REPORTAGEM LOCAL
O relógio do Itaú da avenida
Paulista diz para Marcelo Mirisola que ele é "um cara triste e
solitário às cinco da manhã".
Na rua Augusta, o personagem
de Tony Monti chora sem parar
durante um filme cabeça no Espaço Unibanco, ainda que o
projetor permaneça desligado
e na tela não passe nada.
É essa a São Paulo que hoje
completa 453 anos descrita por
dois de seus bardos.
No shopping Iguatemi e no
salão Jacques Janine, pináculos do consumo paulistano, a
menina descrita por Luiz Ruffato se delicia ao ser bancada
por um homem com quem saiu
para fazer programa.
Usando uma trouxa como
travesseiro para observar melhor o movimento, o mendigo
de Bruno Zeni assiste, às 23h,
no cruzamento das avenidas
Brasil e Rebouças, à maré dos
carros e às imagens multicoloridas do telão da esquina.
A gostosa e frígida Mariana
retratada por Reinaldo Moraes
vê no namorado que tem um
Audi A4 a chance de poder morar na Vila Nova Conceição e
sair do bairro do Ipiranga para
"proclamar sua independência
da classe média de São Paulo".
Mariana é mais apegada à cidade do que o seu autor. Reinaldo Moraes já freqüentou o
Mercearia, bar da Vila Madalena que abriga lançamentos de
livros e tertúlias informais com
escritores conhecidos, e ambientou ali "Privada", ótimo retrato de alguns habitués da "Vila Madá". Também já cruzou a
cidade a pé, para uma reportagem para a revista "National
Geographic", nos 450 anos da
capital. Mas respondeu à Folha, quando questionado se
moraria em outro lugar, que
sim, porque "São Paulo é a coisa mais descartável que tem".
E não sentiria falta de nada?
"Sim, de dois ou três amigos."
De qualquer forma, São Paulo é o cenário das 48 horas em
que se passam o romance que
Moraes está escrevendo.
O último do Marinelli
Tony Monti não cogita sair
daqui. São Paulo é o lugar da
pluralidade: "Gosto de mudar o
tempo todo. Aqui, dá para mudar e continuar na cidade. Ela
acolhe bem o diferente."
A cidade acolhe as diferenças
e faz galhofa com elas. No conto
"Duzentos e Dezessete", Monti
inventa um cineasta chamado
Marinelli para ironizar a intelectualidade paulistana. Sala
cheia, o projetor não liga, e a tela segue escura, mas não importa. Os espectadores esperavam
tão afoitamente pelo "último
do Marinelli" que se comovem
da mesma forma. "O casal à minha esquerda estava destruído
em lágrimas. Vez ou outra, escutei soluços na sala, suspiros,
respirações descontroladas".
No final do filme, o protagonista é consolado por dois casais. "Devia faltar bem pouco
para o filme acabar quando o
rapaz do casal à minha esquerda, vendo que eu chorava sem
parar, ofereceu a companhia
das suas e das mãos de sua namorada. Sorri e aceitei. O casal
à minha direita notou o gesto e
se comoveu. Ofereceu também
as mãos. Aceitei, ainda que isso
tenha me levado a uma posição
desconfortável".
Irritado, irritadiço
Em "Eles Eram Muitos Cavalos", Luiz Ruffato explora parte
da cartografia paulistana, com
ruas e bairros que mesmo
quem é de fora conhece.
Mas os retratados são menos
os freqüentadores dos circuitos
culturais e mais o torcedor vendo latas de cervejas voarem no
pescoço alheio no jogo do Corinthians contra o Rosário
Central pela Libertadores da
América; o deputado que promove orgias; o taxista que conta
a vida inteira das filhas para o
passageiro; o índio que, bêbado
no Jardim Varginha, começa a
dançar no meio da rua.
"O bicho entusiasmou, arrancou a roupa sob aplausos do
povaréu e ficou balançando os
negócios, crianças e mulheres
passando, uma esbórnia. Até
que alguém, sempre um desmancha-prazeres, convocou a
polícia. Veio a Rota, sirene esgoelando, pneus solfejando, os
peemes desceram distribuindo
sarrafo sem piedade nem dó, e
o povinho ralo, sebo nas canelas, sumiu num trovoar, os deixa-disso quisemos explicar que
aquilo era índio, índio mesmo."
A Folha perguntou aos escritores o que achavam patético
na cidade. "O enorme contraste entre a fragilidade das pessoas e a dimensão colossal das
estruturas urbanas concretas,
o aparato de segurança particular e a falsa idéia de um paraíso gastronômico", enumerou, entre outras coisas, Bruno
Zeni. "O ritmo alucinante da cidade, contrastado com a inércia do trânsito", elegeu Tony
Monti. "Aquele paulistano que
é irritado, irritadiço, irritável",
fuzilou Reinaldo Moraes.
Texto Anterior: Recife Próximo Texto: Trechos Índice
|