São Paulo, quinta-feira, 26 de janeiro de 2006

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SOS MAR

Ações para tratar e devolver gaivotas, pingüins e fragatas dependem da dedicação de especialistas e voluntários

Animais esperam centro de reabilitação

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM UBATUBA

Duas vezes por semana, Mel vai à praia. Olha para a areia com atenção, dá uma espiada no céu. Treina algumas corridas curtas, foge das ondas, mas nada de voar. Depois de 30 minutos, acaba sua aula de vôo. A rotina de Mel tem sido a mesma desde setembro de 2005, quando a gaivota foi operada de uma fratura na asa. Com um metro de envergadura, Mel não quer saber de vida selvagem por enquanto.
O caso de Gaspar é mais complicado. O jovem pingüim-de-magalhães até gostaria de sair da quarentena do Aquário de Ubatuba, mesmo lugar onde está Mel. Aliás, ele não vê a hora. "É só alguém dar uma bobeada que ele escapa", comenta a estudante de veterinária e estagiária Adriana Simões Espinosa, 20, enquanto corre atrás do fujão pela terceira vez no dia.
O que Gaspar não sabe é que seu destino será bem diferente do de Mel. Especialistas em vida marinha como o oceanógrafo Hugo Gallo, diretor do Aquário de Ubatuba, entendem que o animal que vai dar nas praias brasileiras provavelmente foi vítima de suas próprias debilitações.
"Esses indivíduos são fracos, muito jovens, muito velhos ou doentes. Seriam excluídos da natureza de qualquer jeito. Por isso, não os devolvemos", explica o oceanógrafo. Só nos casos desencadeados pela ação do homem -como derramamento de óleo ou poluição das águas- é que esses animais são tratados e reintegrados à natureza.
Quando se trata de espécie ameaçada de extinção, no entanto, manter o patrimônio genético é mais importante e o animal é devolvido de qualquer jeito. Como esse não é o caso da espécie de Gaspar, ele vai morar no tanque dos outros três pingüins-de-magalhães em exposição no aquário.
Shing também deve fazer companhia a Gaspar e seus colegas, mas antes precisa receber alta da quarentena. Acometido por um sério problema respiratório, o pingüim lembra um asmático. Respira com dificuldade, afundando tanto o peito que parece sufocar. Duas vezes por dia, um dos estagiários faz inalação em Shing. O pingüim já se acostumou com o paparico. Quietinho, de bico aberto, ele recebe o vapor com o remédio.
Enquanto a veterinária Paula Baldassin orienta os estagiários sobre o tratamento de cada um dos 20 animais que estão sob cuidados médicos no aquário, ela faz os últimos preparativos para a cirurgia de Neguinha. Espécie de ave marinha comum em todo litoral brasileiro, ela teve fratura exposta na asa esquerda ao fazer o que toda fragata faz desde criancinha: pescar.
"Como é que ela foi quebrar isso?", comentava Max Rondon Werneck, veterinário do Projeto Tamar-Ibama de Ubatuba, enquanto costurava a asa partida. Em menos de vinte minutos, Neguinha estava de volta a seu poleiro, devidamente operada. Não deu um pio.
A situação de Mel, Gaspar, Shing e Neguinha coloca em pauta a urgência de um centro de reabilitação de animais marinhos. Tartarugas estão bem servidas pelo trabalho competente dos funcionários das 17 unidades fixas e quatro temporárias do Tamar, espalhadas por nove estados da costa brasileira. Já baleias, golfinhos, leões-marinhos, focas, pingüins e outras aves marinhas contam apenas com pequenas ações isoladas e a dedicação de gente como Gallo e Paula.
O Aquário de Ubatuba, por exemplo, realizou, só em 2005, cerca de 40 resgates de pingüins-de-magalhães, espécie típica do sul das costas Atlântica e Pacífica; em outros anos, esse número chegou a cem. Quando apareceu um filhote de golfinho, no começo de janeiro, a equipe do aquário teve de trabalhar em parceria com o Tamar -as instalações do aquário eram pequenas para o animal, que morreu cinco dias depois (leia na pág.F10).
Dori, como foi chamada a fêmea de golfinho, consumia uma lata de leite em pó sem lactose (R$ 70) a cada 36 horas, fora todo o custo da medicação, pago pelo diretor do aquário. "Já pensou se ela tivesse sobrevivido?", diz Gallo, com um misto de tristeza e apreensão. "Sem um centro de reabilitação, como é que manteríamos um golfinho?"
Ao contrário do Projeto Tamar-Ibama -que se mantém com o patrocínio da Petrobras, o apoio de várias empresas e a venda de camisetas e acessórios-, o Aquário de Ubatuba é uma instituição privada, que não se mantém só com a venda de ingressos (R$ 10 a entrada inteira). "Criamos a ONG Instituto Argonauta justamente para ver se conseguimos captar recursos para manter o aquário", explica Gallo. "Vamos tentar colocar em pé um centro de reabilitação para atender essas espécies marinhas." (CAROLINA COSTA)


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