|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SOS MAR
Morreu no dia 13/1 filhote preso numa rede de pesca em Ilhabela; especialistas dispõem de poucos dados da espécie
Salvamento de golfinho reúne voluntários
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM UBATUBA
No dia em que morreria, Dori
mamou pouco pela manhã. Quase foram em vão os esforços para
convencê-la a engolir a mistura de
água, glicose, leite sem lactose, lecitina de soja, solução fisiológica,
filé de sardinha e óleo de fígado de
bacalhau -o preparado que, até
então, vinha sendo consumido
com avidez pelo bebê golfinho de
três meses, 5 kg e 74 cm.
Desde o dia anterior, quando a
pequena fêmea deu sinais de apatia, a preocupação da equipe de
especialistas era uma só: estabilizar o quadro clínico. Mas Dori parecia tão desorientada quanto há
cinco dias, quando fora encontrada se debatendo em uma rede de
pesca em São Sebastião.
Lucas Magalhães de Jesus, 22, tinha tirado a manhã do domingo,
8, para mergulhar com os amigos.
Em uma praia próxima de Ilhabela, no litoral paulista, percebeu
um estranho movimento na água.
Era Dori. Seus 228 afiados dentes
não conseguiram livrá-la da rede,
que a embaraçava mais a cada
tentativa de se soltar. Salva pelo
mergulhador, ela nadava em círculos. Tinha alguns ferimentos no
focinho e parecia desorientada.
Lucas resolveu pedir ajuda. Em
menos de uma hora, Dori foi parar na unidade de Ubatuba do
Projeto Tamar-Ibama.
Veterinária do Aquário de Ubatuba, Paula Baldassin, 30, se preparava para ir à praia, depois de
semanas sem chegar perto do
mar. A alta temporada trouxera
ao aquário mais público, mais
animais perdidos e mais trabalho.
"Já pensou se aparece um golfinho?", comentou de brincadeira
com o noivo, o veterinário Max
Rondon Werneck, 26, do Tamar.
Cinco minutos depois o telefone
tocou. Dori estava a caminho.
Em poucas horas, a fêmea de
Pontoporia blainvillei já tinha
mobilizado uma legião de voluntários, entre oceanógrafos, veterinários, biólogos e vários estagiários. Ninguém pensou em chamar
um entendido em bebês, mas foi
justamente de um "especialista",
a bióloga Carla Beatriz Barbosa,
que surgiu a melhor posição para
amamentar o golfinho. "Acho
que é o instinto maternal", faz
graça a mãe de Vitória, 8.
Os voluntários tiveram de se organizar em escalas para dar conta
da voracidade do bebê. De hora
em hora, nova bateria de exames e
mais uma mamadeira de leite.
"Todo mundo quer ajudar a cuidar de um bichinho desses", diz o
oceanógrafo Hugo Gallo, diretor
do aquário, também envolvido
nos cuidados com o golfinho.
No domingo, Dori nadava arqueada. Como qualquer bebê, parecia sofrer de cólica. Paula não
pensou duas vezes: ligou para Mike Walsh, o veterinário-chefe do
SeaWorld, um dos mais respeitáveis aquários do mundo, na Flórida (EUA). Ela, que já tinha feito
estágio na instituição, ouviu de
Walsh que o golfinho provavelmente estava com frio. Com a
água mais quente, Dori ficou mais
confortável para nadar.
A maior dificuldade, no entanto, era a falta de informações sobre essa espécie de golfinho, conhecida popularmente como toninha ou franciscana. De hábitos
tímidos, o Pontoporia é um cetáceo de pequeno porte -o adulto
chega a 1,70 metro e pesa cerca de
50 quilos. Comum na faixa que
vai do Espírito Santo até a Argentina, é uma das três espécies de
golfinho ameaçadas de extinção,
vítima da chamada pesca acidental. "Essa espécie se alimenta justamente onde o pescador lança a
rede", lamenta Gallo.
Apesar de existirem bicos de
mamadeira próprios para golfinhos, Dori gostou mesmo foi da
chuquinha, um modelo de mamadeira dos mais comuns que há
no Brasil. De quarta para quinta-feira, a fêmea já recuperara 300
gramas, dos 500 gramas que havia
perdido, e brincava com o termômetro e o termostato de quem
fosse analisá-la.
Os especialistas, porém, continuavam apreensivos. Tendo à
mão poucos dados sobre essa espécie, as equipes do aquário e do
Tamar cuidaram de Dori usando
dados sobre outras espécies, as
parcas informações que tinham
do Pontoporia, muita dedicação e
alguma intuição. E justamente essa intuição dizia a Carla e Paula
que não se animassem com o quadro clínico do golfinho, que apontava queda no número de glóbulos brancos do sangue, os responsáveis pela imunidade do corpo.
Dori é o sexto animal dessa espécie que o aquário recebe desde
1995, quando foi inaugurado. Alguns eram tão pequenos que ainda tinham marcas do cordão umbilical.
"Ela é o filhote mais velho que
chegou até agora", dizia Hugo, na
quinta-feira, esperançoso. Na sexta-feira, no meio de uma tarde ensolarada, Dori seguiu o destino
dos outros cinco bebês Pontoporia. Estava nos braços de Paula
quando deu um último espasmo,
suspirou e morreu.
(CAROLINA COSTA)
Texto Anterior: SOS mar: Oceanógrafo dá dicas para resgatar animais marinhos Próximo Texto: SOS mar: Animais esperam centro de reabilitação Índice
|