São Paulo, quinta-feira, 26 de janeiro de 2006

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SOS MAR

Morreu no dia 13/1 filhote preso numa rede de pesca em Ilhabela; especialistas dispõem de poucos dados da espécie

Salvamento de golfinho reúne voluntários

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM UBATUBA

No dia em que morreria, Dori mamou pouco pela manhã. Quase foram em vão os esforços para convencê-la a engolir a mistura de água, glicose, leite sem lactose, lecitina de soja, solução fisiológica, filé de sardinha e óleo de fígado de bacalhau -o preparado que, até então, vinha sendo consumido com avidez pelo bebê golfinho de três meses, 5 kg e 74 cm.
Desde o dia anterior, quando a pequena fêmea deu sinais de apatia, a preocupação da equipe de especialistas era uma só: estabilizar o quadro clínico. Mas Dori parecia tão desorientada quanto há cinco dias, quando fora encontrada se debatendo em uma rede de pesca em São Sebastião.
Lucas Magalhães de Jesus, 22, tinha tirado a manhã do domingo, 8, para mergulhar com os amigos. Em uma praia próxima de Ilhabela, no litoral paulista, percebeu um estranho movimento na água. Era Dori. Seus 228 afiados dentes não conseguiram livrá-la da rede, que a embaraçava mais a cada tentativa de se soltar. Salva pelo mergulhador, ela nadava em círculos. Tinha alguns ferimentos no focinho e parecia desorientada. Lucas resolveu pedir ajuda. Em menos de uma hora, Dori foi parar na unidade de Ubatuba do Projeto Tamar-Ibama.
Veterinária do Aquário de Ubatuba, Paula Baldassin, 30, se preparava para ir à praia, depois de semanas sem chegar perto do mar. A alta temporada trouxera ao aquário mais público, mais animais perdidos e mais trabalho. "Já pensou se aparece um golfinho?", comentou de brincadeira com o noivo, o veterinário Max Rondon Werneck, 26, do Tamar. Cinco minutos depois o telefone tocou. Dori estava a caminho.
Em poucas horas, a fêmea de Pontoporia blainvillei já tinha mobilizado uma legião de voluntários, entre oceanógrafos, veterinários, biólogos e vários estagiários. Ninguém pensou em chamar um entendido em bebês, mas foi justamente de um "especialista", a bióloga Carla Beatriz Barbosa, que surgiu a melhor posição para amamentar o golfinho. "Acho que é o instinto maternal", faz graça a mãe de Vitória, 8.
Os voluntários tiveram de se organizar em escalas para dar conta da voracidade do bebê. De hora em hora, nova bateria de exames e mais uma mamadeira de leite. "Todo mundo quer ajudar a cuidar de um bichinho desses", diz o oceanógrafo Hugo Gallo, diretor do aquário, também envolvido nos cuidados com o golfinho.
No domingo, Dori nadava arqueada. Como qualquer bebê, parecia sofrer de cólica. Paula não pensou duas vezes: ligou para Mike Walsh, o veterinário-chefe do SeaWorld, um dos mais respeitáveis aquários do mundo, na Flórida (EUA). Ela, que já tinha feito estágio na instituição, ouviu de Walsh que o golfinho provavelmente estava com frio. Com a água mais quente, Dori ficou mais confortável para nadar.
A maior dificuldade, no entanto, era a falta de informações sobre essa espécie de golfinho, conhecida popularmente como toninha ou franciscana. De hábitos tímidos, o Pontoporia é um cetáceo de pequeno porte -o adulto chega a 1,70 metro e pesa cerca de 50 quilos. Comum na faixa que vai do Espírito Santo até a Argentina, é uma das três espécies de golfinho ameaçadas de extinção, vítima da chamada pesca acidental. "Essa espécie se alimenta justamente onde o pescador lança a rede", lamenta Gallo.
Apesar de existirem bicos de mamadeira próprios para golfinhos, Dori gostou mesmo foi da chuquinha, um modelo de mamadeira dos mais comuns que há no Brasil. De quarta para quinta-feira, a fêmea já recuperara 300 gramas, dos 500 gramas que havia perdido, e brincava com o termômetro e o termostato de quem fosse analisá-la.
Os especialistas, porém, continuavam apreensivos. Tendo à mão poucos dados sobre essa espécie, as equipes do aquário e do Tamar cuidaram de Dori usando dados sobre outras espécies, as parcas informações que tinham do Pontoporia, muita dedicação e alguma intuição. E justamente essa intuição dizia a Carla e Paula que não se animassem com o quadro clínico do golfinho, que apontava queda no número de glóbulos brancos do sangue, os responsáveis pela imunidade do corpo.
Dori é o sexto animal dessa espécie que o aquário recebe desde 1995, quando foi inaugurado. Alguns eram tão pequenos que ainda tinham marcas do cordão umbilical.
"Ela é o filhote mais velho que chegou até agora", dizia Hugo, na quinta-feira, esperançoso. Na sexta-feira, no meio de uma tarde ensolarada, Dori seguiu o destino dos outros cinco bebês Pontoporia. Estava nos braços de Paula quando deu um último espasmo, suspirou e morreu.
(CAROLINA COSTA)


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