São Paulo, quinta-feira, 26 de junho de 2008

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A BOLA DA VEZ

Ndumiso Ngcobo comenta as agressões a imigrantes africanos, a Copa do Mundo e o sucesso de seu livro

Autor zulu desnuda sociedade com humor

DA REPORTAGEM LOCAL

Nas livrarias dos aeroportos e grandes cidades, lá está ele, onipresente nas estantes dos mais vendidos: um coco transformado num rosto sorridente.
A figura está na capa de "Some of My Best Friends Are White" (alguns dos meus melhores amigos são brancos; 170 págs,. ed. Two Dogs), do escritor zulu Ndumiso Ngcobo, e ilustra a gíria que significa "negro por fora e branco por dentro".
A menção poderia ser explosiva no país que viu o regime racista do apartheid ruir há apenas 18 anos. Mas, usando humor e deixando o politicamente correto de lado, Ngcobo, 35, tornou-se um dos blogueiros mais lidos no portal Thought Leader (www.thoughtleader.co.za/silwane), sob o pseudônimo de Silwane Kanjila, e viu seu primeiro livro virar sucesso de vendas. Leia trechos da entrevista exclusiva de Ngcobo concedida à Folha por e-mail. (MARINA DELLA VALLE)

 

FOLHA - A que elementos você credita o sucesso de seu primeiro livro?
NDUMISO NGCOBO -
Eu acho que foi uma combinação da qualidade do produto, marketing persistente e o elemento da sorte. Acho que os leitores apreciam a honestidade brutal da escrita e o modo não-carola como os assuntos são abordados. Começar um blog de sucesso também provou ser uma jogada de mestre em termos de promoção.

FOLHA - Ao escrever, você não poupa ninguém de comentários ácidos, incluindo você mesmo, e não mostra muito respeito pela atual onda politicamente correta no mundo. Como esse aspecto de sua escrita se encaixa na sociedade sul-africana 18 anos após o fim do apartheid?
NGCOBO -
A ascensão do [comportamento] politicamente correto nunca é atribuída às verdadeiras forças que estão por trás dele. Uma dessas forças é simplesmente o medo. O medo de se encontrar fora do círculo da normalidade. O medo de ser diferente. O medo de se expressar honestamente. A onda politicamente correta não impede as pessoas de acalentar estereótipos racistas, sexistas ou outros exemplos negativos sobre outros grupos. Tudo o que ela faz é permitir que esses sentimentos prosperem dentro dos confins escuros dos peitos das pessoas, infectando como bactéria. Eu acredito que se deve permitir que os sentimentos das pessoas sejam expostos antes da pressão do confronto.
Expor visões pouco populares dá a outras pessoas a oportunidade de questioná-las, entendê-las. Alternativamente, pode até modificar a posição de quem emite tais opiniões. No entanto, estou certo de uma coisa: não falar com pessoas que têm posições com os quais discordamos é o máximo da estupidez.

FOLHA - Como você vê o problema da violência contra imigrantes de outros países africanos na África do Sul? Como esses últimos episódios se relacionam com a situação geral da questão social?
NGCOBO -
Estou feliz por você descrever as vítimas dessa recente idiotice como "imigrantes africanos", pois é um reconhecimento de que é uma xenofobia seletiva especialmente dirigida a imigrantes negros.
Mas sejamos claros sobre uma questão: não é algo dirigido especificamente a imigrantes negros. É por isso que eu me recuso a chamar o fenômeno de xenofobia. Eu acho que é mais um ódio racista de si mesmo. Caso fosse xenofobia, também seria dirigida a imigrantes da Ásia e do Leste Europeu. O que mais me preocupa, após a loucura a que assistimos, é a evidência de que, como sociedade, nossa capacidade de análise das causas é particularmente pobre.
Na África do Sul, parece que decidimos, sem análise adequada, que a causa é a frustração com o lento avanço do programa de alívio da pobreza do governo. Bobagem. Se isso fosse verdade, o povo pobre e marginalizado teria, figurativamente, tomado a Bastilha. Não há uma explicação racional de porque outras pessoas pobres e marginalizadas deveriam sofrer o peso das falhas do Estado.

FOLHA - Qual sua opinião sobre a Copa do Mundo de 2010 na África do Sul? Como você acredita que a população está respondendo aos preparativos para o evento?
NGCOBO -
Ser sede da Copa do Mundo é uma grande oportunidade para a África do Sul reverter a maré de negativismo que se infiltrou na sociedade nos últimos três anos. É uma oportunidade de nos dar um foco para todo o trabalho para o evento, e, durante o processo, fazer com que nós percebamos que temos um interesse comum em fazer as coisas darem certo. Os sul-africanos são incrivelmente resilientes e determinados. Mas respondemos mais à inspiração do que ao planejamento meticuloso. Em 2010, acredito que vamos dar ao mundo um dos eventos mais memoráveis.

FOLHA - Você publicou um relato engraçado sobre como é a vida hoje em dia nos subúrbios e nas townships. Como vê as últimas mudanças na sociedade sul-africana?
NGCOBO -
A sociedade sul-africana permanece ainda segregada, dividida entre a grande maioria negra e pobre e a minoria branca e rica. Sim, há uma pequena classe média negra que, em sua maior parte, está tentando invadir o privilégio dos brancos, antes exclusivo. Infelizmente, essa parece ser a única abordagem unidimensional para resolver o abismo sempre maior entre os ricos e os pobres.

FOLHA - Você diz no livro que não é fã da Cidade do Cabo porque toda vez que vai lá, acaba pagando uma fortuna por comida e bebida e "sendo tratado como um suspeito da Al-Qaeda". Há um tratamento diferente para os turistas negros nessa cidade? E em outros pontos turísticos?
NGCOBO -
O livro é, em grande escala, uma coleção de opiniões pessoais baseadas em minhas próprias experiências. Um engano comum sobre ele é que expresso opiniões que representam uma porção maior da população, por exemplo, os homens zulus.
A verdade é que minhas percepções negativas sobre a Cidade do Cabo bem podem ser resultado de idéias preconcebidas minhas. Tendo dito isso, acho que parte do meu problema com a Cidade do Cabo é que eu provavelmente sinto que ela não é suficientemente "africana". Afinal, a Cidade do Cabo tem uma população negra menor do que qualquer outra cidade grande na África do Sul.
Por outro lado, temos uma história particular nesse país, e seria pouco realista não reconhecer que ainda nos relacionamos com base na cor da pele.
Mas esse é um fenômeno geral por todo o país. Eu acabei de voltar da Cidade do Cabo e foi uma ótima experiência. Não é meu lugar favorito para relaxar - ainda prefiro Durban, a costa norte de KwaZulu-Natal e Port Elizabeth. Mas é apenas uma preferência pessoal.

FOLHA - Como turista, senti mais tensão social em Durban do que na Cidade do Cabo. Essa é uma percepção real?
NGCOBO -
Você precisa entender o fato de que a população da África do Sul tem uma obsessão desproporcional com o crime em geral. A Cidade do Cabo tem um problema muito maior com o crime do que Durban [onde o autor mora]. Acho que a população da Cidade do Cabo está começando a perceber a situação e ficando menos obcecada. Pessoalmente, eu nunca senti uma angústia maior em relação ao crime em Durban em comparação à Cidade do Cabo.

FOLHA - Quais seus locais prediletos para férias no território da África do Sul? E quais lugares você recomendaria aos turistas brasileiros?
NGCOBO -
A África do Sul é muito mais do que a Cidade do Cabo e Durban. Mencionei o norte de KwaZulu-Natal, mas há Mpumalanga, o Noroeste, o Cabo Leste, Limpopo etc. Eu, particularmente, adoro locais pequenos e calmos, como Isandlwana e Mthunzini.


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