São Paulo, segunda-feira, 27 de setembro de 2004

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DE TUDO

Força do Masp deve ir além da bela fachada

MARCO GIANNOTTI
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Museu de Arte de São Paulo, cravado no meio da avenida Paulista, é, sem dúvida, um dos raros monumentos da cidade. É um dos poucos edifícios que, além de ser belo arquitetonicamente, tem a força singular de sua presença, no meio do caos urbano paulistano. Em uma cidade sem horizontes, o vão livre propiciado pelo museu cria uma fresta, um respiro para São Paulo. Difícil comentar sua coleção, fruto do olhar arguto de Pietro Maria Bardi e das jogadas de Assis Chateaubriand. Como não recordar do quadro de Bellini, onde um panejamento verde separa a Virgem e o menino Jesus da paisagem? Ou da coruja à espreita da caverna rochosa de Mategna? Ou ainda da Amazona de Manet, que com seu vestido se funde no negro do cavalo? Houve um tempo ainda em que o Masp realizava exposições modernas e contemporâneas inesquecíveis como a suíte Vollard de Picasso e a grande retrospectiva de Morandi e de Soulages. Recordo que almoçar aos domingos no restaurante do Masp era um programa quase obrigatório. Infelizmente, hoje em dia é mais fácil percorrer a feira de antiquário situada de maneira duvidosa no vão espetacular de Lina Bo Bardi do que voltar a freqüentar o museu. Qual a razão para tamanha decadência? Uma política comprometida com a autopromoção, preocupada mais em realizar reformas babilônicas que descaracterizam o projeto de Lina do que em oferecer exposições de qualidade para a população. O Masp vive atualmente apenas da sua bela fachada. As exposições temporárias, quando ocorrem, também são de fachada, pois, em vez de investir em obras de qualidade, o museu investe na publicidade enganosa, criando a ilusão de que o Masp não vive apenas dos seus fantasmas. O pior é que agora a dívida contraída por essa gestão quer partilhar o prejuízo com a sociedade, repetindo o mesmo sintoma de algumas gestões da prefeitura. Como é que deixamos isso acontecer? O velho problema brasileiro de transformar um espaço público em privado parece ser uma das razões mais evidentes para esse descaso. O Masp precisa resgatar a sua transparência. O museu imaginário de Malraux, que durante anos foi o paradigma da visão utópica de Lina, que, ao colocar painéis de vidro nas obras nos dava a impressão de passear pela história da arte sem começo ou fim -por mais problemática que essa montagem fosse-, agora é substituído por uma visão especuladora e predatória. Não tenho dúvida de que o Masp pode voltar a ser o museu preferido dos paulistanos. Mas, para que isso aconteça, é preciso que o museu resgate a sua auto-estima e volte a poder sonhar com novos projetos culturais. Afinal de contas, o Masp é a nossa cara, e viver no museu é viver na cidade.


Marco Giannotti, 38, é pintor e professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

MASP - Av. Paulista, 1.578. tel. 0/xx/ 11/251-5644. De terça a domingo, das 11h às 18h. Entrada: R$ 10, estudantes pagam R$ 5; gratuita para menores de dez e maiores de 60 anos.


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