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MUSEU DE TUDO
"Casa" de Goya e Velázquez usa poucos artifícios para ser considerado um dos melhores do mundo
Prado é o mesmo desde sempre (e que assim seja)
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Em um belo dia de 1999, o artista inglês Mat Collinshaw colocou
uma venda em seus olhos, no seu
estúdio em Londres, e, guiado por
uma assistente, seguiu até o aeroporto e embarcou para Madri.
De olhos bem vendados, e sempre filmado pela sua "guia", ele foi
conduzido até a sala número 3 do
Museu do Prado. A moça desamarrou cuidadosamente o pano
preto e eis que Collinshaw estava
diante da tela "As Meninas", de
Diego Velázquez (1599-1660).
Essa performance abre nossos
olhos para um óbvio ululante:
qualquer amante da arte, de Labrador a Vladivostok, adoraria
passar por algo parecido. Qualquer amigo do belo adoraria abrir
os olhos repentinamente no cômodo 3 do Museu do Prado.
A enquete realizada pelo caderno Turismo só reforça. O majestoso casarão do Paseo del Prado
ficou entre os três mais citados
pelos entrevistados. E o mesmo
poderia ter acontecido se a pesquisa tivesse sido feita dez, 50 ou
200 anos atrás.
As coisas mudaram e mudam
muito pouco nos dois séculos
desse museu, mesmo ele tendo
passado por recentes ampliações.
Um visitante de 1888 e um da semana passada veriam praticamente as mesmas maravilhas, nos
mesmos corredores altos, um tanto escuros, que terminam em largas portas abauladas.
E os corredores, as largas portas,
o cheiro de história são o que menos importam no casarão neoclássico projetado em 1785 pelo
arquiteto Juan de Villanueva e
inaugurado em 1819. Se em boa
parte dos museus recentes, seja
no paulistano MuBE, seja no Guggenheim de Bilbao, o prédio é ator
principal, no Prado não é incomum esquecer que existe uma
construção cercando os Goyas, El
Grecos & companhia.
Esqueça a lojinha -não é das
dez melhores-, não coma nem
sob tortura a paella do restaurante
abafado no subsolo, não tente se
guiar pelo site, dos mais modestos
entre os dos grandes museus do
mundo, não espere mostras temporárias de abalar suas estruturas.
O negócio aqui é pintura, um
acervo da melhor pintura de uma
das melhores escolas pictóricas de
todos os tempos: a Espanha dos
séculos 16 a 18. O Prado tem 8.600
telas (das quais pouco mais de mil
expostas). É um bocado, mas bastariam umas 50 para fazerem dele
um dos melhores do mundo.
Dos oito núcleos nos quais está
organizado, desde priscas eras,
não existe dúvida de que o módulo "Pintura Española" é imbatível.
É ali que moram, literalmente, as
jóias da coroa. Criado com inspiração no Louvre, pelo rei Carlos 3º
(conhecido pela alcunha de "o
melhor prefeito da história de
Madri"), o Prado tem até hoje como parte mais substancial de seu
elenco pictórico as obras vindas
das coleções reais.
Como é sabido, pintores do
porte de Velázquez trabalharam
fartamente para esses monarcas.
E foi assim que esse artista acabou
sendo o responsável pela escolha
dos trabalhos de Ticiano (1485-1576) que hoje são exibidas no núcleo de pintura italiana, ao lado de
ótimos Tintorettos e Veroneses.
O terceiro módulo importante
do museu é o de pintura flamenga. A coleção de obras do delirante Hieronymus Bosch (1450-1516), incluídas aí obras-primas
como "O Jardim das Delícias" ou
"Os Sete Pecados Capitais", é das
melhores do mundo.
Mas não foi para nenhuma delas que Mat Collinshaw vendou e
desvendou seus olhos. O destaque
máximo, a "Mona Lisa" do Prado,
é mesmo "As Meninas" (1656). Livros inteiros já foram escritos sobre a tela e seus mistérios -e não
seria este o espaço de sondá-los
(indicação para isso é o livreto
"Las Meninas", de Fernando Marías Franco, ed. Electa, Madri).
O espaço vai acabando, aliás, e
nem chegamos ao outro astro do
Paseo del Prado, Francisco de Goya (1746-1828). É ali no Prado que
moram boa parte de suas obras
maiorais, das sensuais "Maias" às
Pinturas Negras (como a horripilantemente linda "Saturno Devorando um de Seus Filhos"). É ali
também que vive a pequenina "El
Perro Semihundido". Pintada por
volta de 1820, retrata não mais do
que uma cabeça de um cão acinzentado no canto inferior de uma
tela quase toda da cor de areia.
Taí, decidi. Se um dia me vendarem os olhos, só quero que os desvendem em frente de "El Perro
Semihundido".
MUSEU DO PRADO - Paseo del Prado,
s/nº. De terça a domingo, das 9h às 19h.
Fechado às segundas. Ingresso custa
3,01; http://museoprado.mcu.es.
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