São Paulo, quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

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CAPITAL LÍGURE

Vermentino é o vinho que "harmoniza" com Gênova

Provavelmente prima da malvasia, a uva que dá esse branco seco e leve é cultivada em escarpas rochosas

DO ENVIADO ESPECIAL A GÊNOVA

Em Gênova, peça um vinho vermentino. Parece inimaginável, mas, entre os italianos, apreciadores de pratos robustos que sugerem tintos encorpados, curiosamente o consumo de vinho branco, mais leve, é maior do que o de tinto.
Em toda a Itália, exceto o moscatel, os brancos costumam ser secos. E ecléticos: acompanham pescados e aves, são curingas em refeições ligeiras, como os sanduichinhos típicos (tais quais o panino, de pão tipo roseta, e o tramezzino, feito de pão de miga, cortado em triângulo), além de fazer par com sobremesas e frutas.
Delicados e de graduação alcoólica relativamente baixa, esses brancos italianos são produzidos em inúmeras regiões vitivinícolas, especialmente na porção centro norte do país. Nome consagrado da crítica, o enólogo inglês Hugh Johnson, 69, do alto da publicação do guia de vinhos que vendeu mais de 15 milhões de exemplares, afirma, literalmente, que "os italianos devem discordar, mas eles não são produtores de brancos de qualidade".
No Brasil, o italiano Adriano Amadio, 68, especialista romano radicado no Rio, discorda frontalmente de Johnson. Apreciador dos brancos produzidos em seu país, ele lembra que os vinhos das regiões norte e nordeste da Itália são mais estruturados e têm maior acidez, o que garante longevidade à bebida. "Já os italianos brancos de acidez mais baixa, caso do soave e do frascati, precisam ser consumidos jovens", diz ele.
Entre os tantos brancos italianos, o vermentino, produzido na Ligúria, região onde inexistem planícies, tem suas uvas ditas autóctones -ou originárias dessa área- cultivadas em terraços pedregosos. Mas é bom lembrar que também há vinho vermentino produzido na ilha da Sardenha, no sul da Toscana e mesmo na ilha da Córsega, possessão francesa.
Ainda na Toscana, entre os brancos, é comum o vernaccia; no Vêneto, há brancos frutados; em Orvieto, há o branco secco e o abbocatto; nas cercanias de Ancona, reina o verdicchio; já em Roma, é consumido o frascati; do Vêneto, perto de Verona, vem o soave etc.
Ocorre que esses vinhos brancos, mais delicados, custam pouco na origem e são exportados em contêineres muitas vezes não climatizados -e, por isso, não viajam bem. Assim, convém verificar se a cortiça apresenta um fungo esbranquiçado na superfície que toca o vinho. Se a rolha tem cheiro mofado, o vinho está comprometido. Vinho branco amarelado, sem caráter nervoso no sabor, fica "intomável", "bouchonné", como dizem!

No vermentino, a verdade
Na região da Ligúria, o vermentino acompanha os frutos do mar ou a pasta ao pesto -e há quem diga que esse vinho tem parentesco com aqueles feitos com a uva malvasia, cultivada já pelos antigos gregos em Samos e em Chipre -e levada por portugueses à ilha da Madeira e, daí, à península Ibérica.
Malvasia, além de varietal de uva e de nome de vinho doce, era, na Grécia, nome de uma cidade. E, se é certo o parentesco das uvas vermentino e malvasia, ela também se prestou a produzir vinhos brancos no litoral da Provença, no sul França, onde é chamada de rolle. Há controvérsia, mas tudo indica que a uva do vermentino lígure tem ancestral na malvasia, que teria sido introduzida na Itália no século 15 por dominadores espanhóis, vinda da ilha da Madeira -base de vinhos licorosos- e tinha "sobrenomes", como malvasia fina ou de passa, grossa e perraguiota.
Uma lenda histórica diz que, condenado à morte por seu irmão Eduardo 4º, o duque de Clarence escolheu ser afogado num tonel de malvasia. Verdade ou mentira, a malvasia virou em Portugal sinônimo de casta vulgar, para vinho de mesa.
E, se na Toscana de hoje se produz o branco vernaccia, especialidade enológica da cidade de San Gimignano -aliás, o vinho preferido de Michelângelo-, na Ligúria, o vermentino é o branco emblemático. Vale lembrar que, na península Itálica, cada mudança geográfica corresponde a um novo panorama vitivinícola, da culinária e de dialeto. E, voltando a Gênova, onde os habitantes têm fama de reservados, o vermentino é o branco servido até sem rótulo, em quartinos (recipiente de um quarto de litro).
Bom com a pasta ao pesto, melhor ainda com peixe, o vermentino é definifivamente o vinho branco disponível da Ligúria, sendo produzido nas províncias de Impéria e Savona, perto de La Spezia e, já na Toscana, em Massa-Carrara, perto do rio Magra, que divide a Ligúria da Toscana. Nos caminhos da Riviera, onde penhascos rochosos ligam dramaticamente os Apeninos ao mar, a história da ocupação tem raízes na pré-história e o vermentino é um branco cujas uvas têm cultivo manual e cujo plantio, heróico, se faz nas encostas escarpadas à beira-mar.
Os melhores vermentinos são brancos bem estruturados e vão bem com tudo: até mesmo com o stocafisso, o bacalhau seco e salgado (semelhante ao de Portugal). Num litoral que, no entorno de Gênova, se estende por 200 km, os caminhos ao norte são chamados de Ponente -e terminam na Riviera francesa.
Ali o vermentino especialmente bom é de marcas como Anfossi, Colle dei Bardellini, Cascina dei Peri. Nessa área, lembra Arthur Azevedo, 56, presidente da Associação Brasileira de Sommeliers/SP, além do vermentino há vinhos D.O.C. (ou provenientes de regiões demarcadas): o rossese, o pigato, o sciacchetrà e o cinque terre. (SILVIO CIOFFI)


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