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CAPITAL LÍGURE
Vermentino é o vinho que "harmoniza" com Gênova
Provavelmente prima da malvasia, a uva que dá esse branco seco e leve é cultivada em escarpas rochosas
DO ENVIADO ESPECIAL A GÊNOVA
Em Gênova, peça um vinho
vermentino. Parece inimaginável, mas, entre os italianos,
apreciadores de pratos robustos que sugerem tintos encorpados, curiosamente o consumo de vinho branco, mais leve,
é maior do que o de tinto.
Em toda a Itália, exceto o
moscatel, os brancos costumam ser secos. E ecléticos:
acompanham pescados e aves,
são curingas em refeições ligeiras, como os sanduichinhos típicos (tais quais o panino, de
pão tipo roseta, e o tramezzino,
feito de pão de miga, cortado
em triângulo), além de fazer
par com sobremesas e frutas.
Delicados e de graduação alcoólica relativamente baixa, esses brancos italianos são produzidos em inúmeras regiões
vitivinícolas, especialmente na
porção centro norte do país.
Nome consagrado da crítica,
o enólogo inglês Hugh Johnson, 69, do alto da publicação
do guia de vinhos que vendeu
mais de 15 milhões de exemplares, afirma, literalmente, que
"os italianos devem discordar,
mas eles não são produtores de
brancos de qualidade".
No Brasil, o italiano Adriano
Amadio, 68, especialista romano radicado no Rio, discorda
frontalmente de Johnson.
Apreciador dos brancos produzidos em seu país, ele lembra
que os vinhos das regiões norte
e nordeste da Itália são mais estruturados e têm maior acidez,
o que garante longevidade à bebida. "Já os italianos brancos
de acidez mais baixa, caso do
soave e do frascati, precisam
ser consumidos jovens", diz ele.
Entre os tantos brancos italianos, o vermentino, produzido na Ligúria, região onde inexistem planícies, tem suas uvas
ditas autóctones -ou originárias dessa área- cultivadas em
terraços pedregosos. Mas é
bom lembrar que também há
vinho vermentino produzido
na ilha da Sardenha, no sul da
Toscana e mesmo na ilha da
Córsega, possessão francesa.
Ainda na Toscana, entre os
brancos, é comum o vernaccia;
no Vêneto, há brancos frutados; em Orvieto, há o branco
secco e o abbocatto; nas cercanias de Ancona, reina o verdicchio; já em Roma, é consumido
o frascati; do Vêneto, perto de
Verona, vem o soave etc.
Ocorre que esses vinhos
brancos, mais delicados, custam pouco na origem e são exportados em contêineres muitas vezes não climatizados -e,
por isso, não viajam bem.
Assim, convém verificar se a
cortiça apresenta um fungo esbranquiçado na superfície que
toca o vinho. Se a rolha tem
cheiro mofado, o vinho está
comprometido. Vinho branco
amarelado, sem caráter nervoso no sabor, fica "intomável",
"bouchonné", como dizem!
No vermentino, a verdade
Na região da Ligúria, o vermentino acompanha os frutos
do mar ou a pasta ao pesto -e
há quem diga que esse vinho
tem parentesco com aqueles
feitos com a uva malvasia, cultivada já pelos antigos gregos em
Samos e em Chipre -e levada
por portugueses à ilha da Madeira e, daí, à península Ibérica.
Malvasia, além de varietal de
uva e de nome de vinho doce,
era, na Grécia, nome de uma cidade. E, se é certo o parentesco
das uvas vermentino e malvasia, ela também se prestou a
produzir vinhos brancos no litoral da Provença, no sul França, onde é chamada de rolle.
Há controvérsia, mas tudo
indica que a uva do vermentino
lígure tem ancestral na malvasia, que teria sido introduzida
na Itália no século 15 por dominadores espanhóis, vinda da
ilha da Madeira -base de vinhos licorosos- e tinha "sobrenomes", como malvasia fina ou
de passa, grossa e perraguiota.
Uma lenda histórica diz que,
condenado à morte por seu irmão Eduardo 4º, o duque de
Clarence escolheu ser afogado
num tonel de malvasia. Verdade ou mentira, a malvasia virou
em Portugal sinônimo de casta
vulgar, para vinho de mesa.
E, se na Toscana de hoje se
produz o branco vernaccia, especialidade enológica da cidade
de San Gimignano -aliás, o vinho preferido de Michelângelo-, na Ligúria, o vermentino é
o branco emblemático.
Vale lembrar que, na península Itálica, cada mudança geográfica corresponde a um novo
panorama vitivinícola, da culinária e de dialeto. E, voltando a
Gênova, onde os habitantes
têm fama de reservados, o vermentino é o branco servido até
sem rótulo, em quartinos (recipiente de um quarto de litro).
Bom com a pasta ao pesto,
melhor ainda com peixe, o vermentino é definifivamente o vinho branco disponível da Ligúria, sendo produzido nas províncias de Impéria e Savona,
perto de La Spezia e, já na Toscana, em Massa-Carrara, perto
do rio Magra, que divide a Ligúria da Toscana.
Nos caminhos da Riviera, onde penhascos rochosos ligam
dramaticamente os Apeninos
ao mar, a história da ocupação
tem raízes na pré-história e o
vermentino é um branco cujas
uvas têm cultivo manual e cujo
plantio, heróico, se faz nas encostas escarpadas à beira-mar.
Os melhores vermentinos
são brancos bem estruturados
e vão bem com tudo: até mesmo com o stocafisso, o bacalhau seco e salgado (semelhante ao de Portugal).
Num litoral que, no entorno
de Gênova, se estende por 200
km, os caminhos ao norte são
chamados de Ponente -e terminam na Riviera francesa.
Ali o vermentino especialmente bom é de marcas como
Anfossi, Colle dei Bardellini,
Cascina dei Peri. Nessa área,
lembra Arthur Azevedo, 56,
presidente da Associação Brasileira de Sommeliers/SP, além
do vermentino há vinhos
D.O.C. (ou provenientes de regiões demarcadas): o rossese, o
pigato, o sciacchetrà e o cinque
terre.
(SILVIO CIOFFI)
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