São Paulo, segunda-feira, 28 de outubro de 2002

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"Talento" para trabalho informal aflora entre os habitantes

DA ENVIADA ESPECIAL

As crianças estão todas na escola. Quem fica doente é atendido por um bom médico, faz operações sem pagar. Os moradores recebem cestas básicas mensais. Sorrisos, música e dança por toda parte. O que será que falta aos habitantes da ilha de Fidel?
"Jamais poderemos nos tornar ditadores. Eu sou um homem que sabe quando é preciso ir embora." Essa frase fez parte do discurso de Fidel Castro em 1959, logo que tomou o poder em Havana. Desde então, o ditador continua convocando a população aos seus discursos intermináveis na praça da Revolução. E o povo vai.
Desde pequenos os cubanos são treinados a falar sobre a revolução, a desenhar carinhas do Che em trabalhos escolares, a exaltar a qualidade da educação que tiveram. Porém as belezas de uma cidade limpa, com índices de delinquência quase inexistentes, digna de receber turistas do mundo inteiro, esconde o sofrimento dos cubanos, que não podem trocar de casa, sair do país, tirar férias ou comprar eletrodomésticos, boas comidas nem roupas novas.
Foi a partir de 1990 que Cuba começou a explorar seu potencial turístico. Os hotéis suntuosos, antes raros, hoje existem às pencas. Só em 2001, mais de 1,8 milhão de turistas visitaram Havana (destes, cerca de 10 mil brasileiros).
No início dos anos 90, o cubano que fosse pego com dólares no bolso poderia ser preso.
Hoje, a população da ilha, que tem pouco mais de 11 milhões de habitantes, deposita no turismo a possibilidade de conquistar dinheiro extra. Normalmente, os que trabalham diretamente em hotéis e agências de viagens têm mais chances de ganhar dólares.
Os visitantes precisam ter em mente que o país socialista está dividido em dois: o dos turistas e o dos cubanos. O turista desfruta da TV a cabo nos hotéis, o cubano se contenta com apenas dois canais estatais. O turista pode acessar a internet (cerca de US$ 4 por 15 minutos), enquanto o cubano usa o telefone do vizinho contando os segundos. O turista vai aos cafés dançantes e tenta imitar o gingado dos nativos, o cubano raramente consegue pagar o preço de US$ 10 para dançar uma noite.
Os contrastes entre os dois mundos são tão gritantes que toda gorjeta e qualquer presente às camareiras significam motivos de agradecimentos emocionados.
Com isso, afloram os "talentos" para os chamados trabalhos informais. Os carros da marca Lada, antigos e em péssimo estado de conservação, transformam-se em táxis, bem como as bicicletas. Engenheiros, médicos e professores se rendem ao artesanato para complementar a renda.
O racionamento de alimentos é controlado na ponta do lápis em uma caderneta chamada "libreta". Ali são anotadas a quantidade de produtos que a família tem a receber todo mês e que, na grande maioria dos casos, é insuficiente.
Para ter uma idéia, o óleo é distribuído apenas duas vezes por ano (um litro por ano). Três quilos de arroz, 2,5 quilos de batata. O leite, em pó, é reservado às crianças com até sete anos de idade e aos idosos.
Por isso não se assuste se, ao dar US$ 5 de gorjeta para um cubano, ele ameaçar dar um abraço em você no meio da rua. (KC)


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