São Paulo, quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

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ÁFRICA

"Ortografia comum beneficia todos"

Acordo é especialmente importante para países africanos, diz o autor angolano José Eduardo Agualusa

MARINA DELLA VALLE
DA REPORTAGEM LOCAL

O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, em vigor no Brasil desde o último dia 1º, encontrou no escritor angolano José Eduardo Agualusa, 48, um defensor de peso. Para o autor, uma ortografia comum beneficia todos os países lusófonos, mas é especialmente importante para os países africanos, que produzem menos livros.
Em texto no semanário "A Capital", de Luanda, em setembro do ano passado, Agualusa afirmou que Angola deveria seguir a ortografia brasileira caso o acordo emperrasse "por resistência de Portugal". Angola está entre os países que ainda não validaram o Acordo.
Nascido em Angola, de família portuguesa e brasileira, Agualusa costuma se definir como afro-luso-brasileiro.
Com vários livros lançados no Brasil, é sócio da editora carioca Língua Geral (www.línguageral.com.br), especializada em autores lusófonos. Leia abaixo trechos da entrevista que Agualusa concedeu à Folha, por e-mail, na última segunda-feira.

 

FOLHA - Como o sr. avalia o intercâmbio cultural entre o Brasil e os países africanos de língua portuguesa atualmente? Como o sucesso de escritores como o sr. e Mia Couto no Brasil mudou essa troca?
JOSÉ EDUARDO AGUALUSA
- Creio que muita coisa mudou nos últimos anos, em particular após o final da guerra em Angola, e o consequente incremento das trocas comerciais entre o Brasil e o meu país. Angola é hoje um território em rápido crescimento, um mercado ávido de que o Brasil necessita.
A presença de um número cada vez maior de brasileiros em Angola vem contribuindo também para um maior intercâmbio cultural. Acontece ainda que o Brasil vem assistindo a um crescimento da sua classe média de origem africana, interessada em refazer os laços com África. Tudo isso junto ajuda a explicar o interesse dos leitores brasileiros por autores africanos.

FOLHA - Como está a questão do Acordo Ortográfico em Angola?
AGUALUSA
- À espera. O Parlamento deve discutir o assunto brevemente. Angola seguirá os restantes países. Não pode ficar isolada.

FOLHA- Como o sr. avalia o acordo e sua necessidade de implantação?
AGUALUSA
- Positivamente.
Acho que a existência de uma ortografia comum beneficia toda a gente, em todos os territórios onde se fala a nossa língua, e em particular na África, porque nós produzimos muito poucos livros. Temos de os importar de Portugal e do Brasil, e a existência de duas ortografias confunde os leitores, sobretudo aquela vasta maioria que está agora a ser alfabetizada.

FOLHA - O escritor moçambicano Mia Couto afirmou que o Acordo Ortográfico "não é necessário". Como o sr. vê essa afirmação?
AGUALUSA
- Não concordo com o Mia pela razões já apontadas. Mas nunca conversamos sobre isso. Temos coisas muito mais interessantes para conversar.

FOLHA - O sr. afirmou anteriormente que Angola deveria seguir a grafia brasileira do português caso Portugal atrasasse o Acordo. Poderia nos explicar os motivos?
AGUALUSA
- Porque o Brasil produz muitíssimo mais títulos do que Portugal e, em certas áreas científicas, títulos que nos interessam mais: agricultura e medicina tropical etc.

FOLHA - Em sua opinião, como os países lusófonos podem estreitar seus laços culturais? Há a possibilidade de uma maior identidade entre eles?
AGUALUSA
- O estreitamento de laços culturais não significa uma rendição identitária, pelo contrário. Espero que os nossos países continuem a produzir formas específicas de cultura, à medida que aumenta o conhecimento mútuo. E que surjam expressões culturais novas a partir dessa troca.

FOLHA - Como o sr. vê a questão da presença da influência de nossa herança africana na literatura brasileira atualmente?
AGUALUSA
- Acho que existe um interesse crescente. Os brasileiros têm consciência de que é importante reatar a ligação com África. Refazer os laços. O Brasil é em larga medida um país de matriz africana.

FOLHA - Ainda em relação à pergunta anterior, há como traçar paralelos com a literatura angolana?
AGUALUSA
- A literatura angolana foi desde sempre muito influenciada pela literatura brasileira. Jorge Amado marcou muito autores, como Pepetela.
Guimarães Rosa explica Luandino Vieira. Autores mais jovens, como eu próprio ou o João Melo, fomos influenciados pelo Rubem Fonseca.

FOLHA - O sr. conhece profundamente tanto Angola como o Brasil. Como o sr. vê a relação cultural entre os dois países? Ela pode ser melhorada? AGUALUSA - Pode, claro, ainda há muito trabalho a fazer. Mas também já há muito trabalho feito. No campo da música começam a acontecer parcerias muito interessantes. Acho que isso vai aumentar, muitos músicos brasileiros terão curiosidade em pesquisar em Angola, nas zonas rurais, a fonte de alguns dos ritmos principais do país, e os angolanos poderão se beneficiar do conhecimento dos brasileiros.

FOLHA - Quais autores de língua portuguesa deveriam ser mais conhecidos no Brasil?
AGUALUSA
- António Lobo Antunes, Rui Duarte de Carvalho e Luandino Vieira.

FOLHA - O sr. é conhecido por viajar bastante e viver entre Portugal, Angola e Brasil. Qual a importância das viagens em seu processo de criação?
AGUALUSA
- Eu sou o resultado de todas essas viagens.

FOLHA - Mudando para o turismo, quais atrações em Angola o sr. indicaria para os turistas brasileiros passeando pelo país?
AGUALUSA
- Angola tem paisagens lindíssimas quase inexploradas. Lembro-me de ter lido um artigo do Fred d'Orey, um nome grande do surfe brasileiro, sobre uma pequena praia do sul de Angola onde acontecem algumas das melhores ondas do planeta. Eu gosto muito das paisagens do sul, da transição entre a savana e o deserto.

FOLHA - E quais experiências de viagem o sr. indicaria?
AGUALUSA
- Subir o rio Kuanza em canoa. Procurar a famosa palanca-negra no parque nacional da Quissama. Assistir ao pôr-do-sol na praia Morena, em Benguela. Namorar uma angolana/um angolano.


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