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PARAÍBA
Filme de Guel Arraes leva sertão ao cinema
Diretor volta à cidade de Cabaceiras, onde rodou "O Auto da Compadecida", para contar história de amor
DA REPORTAGEM LOCAL
Foi no sertão da Paraíba que
Guel Arraes dirigiu, há dez
anos, "O Auto da Compadecida". E foi para lá que ele voltou
para filmar parte de "Romance", já exibido na mostra de São
Paulo e a partir de 14 de novembro em circuito nacional.
Com o elenco, do qual fazem
parte Wagner Moura, Letícia
Sabatella, Marco Nanini, José
Wilker, Andréa Beltrão e Vladimir Brichta, sua equipe passou
15 dias em Lajedo do Pai Mateus, no município de Cabaceiras, a 189 km de João Pessoa.
Ali foram feitas as cenas em
que o personagem Pedro (Wagner Moura) dirige a adaptação
brasileira para a televisão do
trágico conto "Tristão e Isolda". "Um romance medieval no
sertão", define Arraes.
Em entrevista à Folha, ele
diz que esse é seu trabalho
mais pessoal por expor o que
ele pensa sobre o amor e por
trazer à tona a discussão arte-indústria. "Na história, um diretor de teatro é chamado para
fazer um trabalho para a TV."
Confirmando que esse é
mesmo um dilema pessoal, do
seu dia-a-dia como profissional
de cinema e televisão, Arraes se
mostra incomodado quando o
assunto é a escalação de atores
globais para a trama.
(PRISCILA PASTRE-ROSSI)
FOLHA - Como foi a rotina da equipe nas filmagens em Cabaceiras?
ARRAES - Ficamos numa pousada de ecoturismo, que tinha
uma comida boa e quartos com
ar-condicionado -essencial, já
que estávamos em pleno verão
no meio do sertão. A gente
acordava quando ainda estava
escuro. No café da manhã, cuscuz, tapioca, coisas bem típicas... As filmagens começavam
antes das 6h, com as cenas da
minissérie, porque a gente queria que elas fossem mais idealizadas, com uma luz mais suave.
Ao meio-dia, parávamos para
almoçar e só voltávamos a gravar depois das 14h, por causa do
calor. No almoço, mais pratos
típicos, como carne-de-sol, bode e baião-de-dois. Com o sol
forte fazíamos as cenas de bastidores, já que a luz ajudava a
dar maior realismo, digamos
assim. Filmávamos até escurecer. Como as cenas noturnas eu
joguei para o estúdio, à noite a
gente dormia ou ficava se divertindo dentro da pousada. Estávamos no meio do sertão, né?
FOLHA - Você já havia rodado cenas de "O Auto da Compadecida"
nesse município. Por que o mesmo
cenário para parte de "Romance"?
GUEL ARRAES - No "Auto" eu filmei muito na cidade e um pouquinho nos arredores. Na época, a escolha foi mais em função
de ser uma cidade de sertão
preservada e pelo desafio de filmar uma comédia num cenário
dramático. Em "Romance" eu
filmei tudo na paisagem, mesmo, em volta do Lajedo do Pai
Mateus. O lugar é lindo, desperdiçado lá no alto, e de onde se
tem uma vista espetacular do
sertão. O lajedo é um pedrão
enorme com umas pedras redondas em cima, que parecem
ter sido colocadas ali por astronautas. Uma paisagem muito
exótica, original e pouco conhecida. É como você conhecer
o deserto do Saara, sabe? Conhecer o lajedo é enriquecer o
seu vocabulário de paisagens.
FOLHA - Quando o personagem Pedro é chamado para fazer uma
adaptação de "Tristão e Isolda" para
o Brasil, ele resolve filmar no Lajedo
do Pai Mateus. De onde surgiu a
idéia de usar o sertão como cenário
para um conto medieval?
ARRAES - Há muitas conexões
possíveis entre o Nordeste e a
Idade Média européia. Por várias razões. A primeira é de influência, mesmo. Quando os
navegadores chegaram aqui,
trouxeram parte dessa cultura.
E no Nordeste isso ficou mais
preservado. O sistema agrário
sertanejo, considerado semifeudal até pouco tempo, é herdeiro do medieval. Outros resquícios são os romances de cordel, que citam muitos contos
europeus daquela época, e o
maniqueísmo religioso. Na versão nordestina para "Tristão e
Isolda", os trovadores provençais são os cantadores nordestinos. Os reis e rainhas, os donos
de fazenda de gado. Há também
um paralelo entre os sertanejos
e os cavaleiros medievais. Fora
o fato de "Tristão e Isolda" ser
um conto trágico, que termina
em morte. E a paisagem do sertão se presta muito à tragédia.
FOLHA - Você costuma dizer que é
seu filme mais pessoal. Por quê?
ARRAES - Primeiro porque num
filme que conta uma história de
amor séria você se expõe mais.
Não o que você viveu, mas, sobretudo, o que você pensa sobre o assunto. Segundo porque
ele se passa num meio de atores
que circulam entre teatro, cinema, televisão. Na história, tem
um diretor que vem do teatro.
Então, a dupla artista-produtor
e a discussão arte-indústria são
assuntos levantados no filme.
FOLHA - Já na escolha do elenco estava embutida a questão da disputa
entre arte e indústria? A maioria dos
atores faz cinema e teatro, mas também é global... Foi proposital?
ARRAES - Quem é global?
FOLHA - Wagner Moura, Sabatella
e Brichta, por exemplo, ficaram conhecidos com as novelas da Globo.
ARRAES - A Letícia é uma atriz
que fez basicamente televisão.
Mas o Nanini chegou pronto na
TV. O Wagner é um ator misto,
que está se formando agora,
mas que veio do teatro. O Vladimir é mais ou menos a mesma
formação. A Andréia, idem.
Eles vieram de grupos de teatro. É que o público só os conhece pela televisão porque
não vai ao teatro. O critério na
escolha do elenco é ser um bom
ator e se adequar ao personagem. Não importa se é famoso.
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