São Paulo, quinta-feira, 30 de outubro de 2008

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PARAÍBA

Filme de Guel Arraes leva sertão ao cinema

Diretor volta à cidade de Cabaceiras, onde rodou "O Auto da Compadecida", para contar história de amor

DA REPORTAGEM LOCAL

Foi no sertão da Paraíba que Guel Arraes dirigiu, há dez anos, "O Auto da Compadecida". E foi para lá que ele voltou para filmar parte de "Romance", já exibido na mostra de São Paulo e a partir de 14 de novembro em circuito nacional.
Com o elenco, do qual fazem parte Wagner Moura, Letícia Sabatella, Marco Nanini, José Wilker, Andréa Beltrão e Vladimir Brichta, sua equipe passou 15 dias em Lajedo do Pai Mateus, no município de Cabaceiras, a 189 km de João Pessoa.
Ali foram feitas as cenas em que o personagem Pedro (Wagner Moura) dirige a adaptação brasileira para a televisão do trágico conto "Tristão e Isolda". "Um romance medieval no sertão", define Arraes.
Em entrevista à Folha, ele diz que esse é seu trabalho mais pessoal por expor o que ele pensa sobre o amor e por trazer à tona a discussão arte-indústria. "Na história, um diretor de teatro é chamado para fazer um trabalho para a TV."
Confirmando que esse é mesmo um dilema pessoal, do seu dia-a-dia como profissional de cinema e televisão, Arraes se mostra incomodado quando o assunto é a escalação de atores globais para a trama. (PRISCILA PASTRE-ROSSI)

 

FOLHA - Como foi a rotina da equipe nas filmagens em Cabaceiras?
ARRAES
- Ficamos numa pousada de ecoturismo, que tinha uma comida boa e quartos com ar-condicionado -essencial, já que estávamos em pleno verão no meio do sertão. A gente acordava quando ainda estava escuro. No café da manhã, cuscuz, tapioca, coisas bem típicas... As filmagens começavam antes das 6h, com as cenas da minissérie, porque a gente queria que elas fossem mais idealizadas, com uma luz mais suave.
Ao meio-dia, parávamos para almoçar e só voltávamos a gravar depois das 14h, por causa do calor. No almoço, mais pratos típicos, como carne-de-sol, bode e baião-de-dois. Com o sol forte fazíamos as cenas de bastidores, já que a luz ajudava a dar maior realismo, digamos assim. Filmávamos até escurecer. Como as cenas noturnas eu joguei para o estúdio, à noite a gente dormia ou ficava se divertindo dentro da pousada. Estávamos no meio do sertão, né?

FOLHA - Você já havia rodado cenas de "O Auto da Compadecida" nesse município. Por que o mesmo cenário para parte de "Romance"?
GUEL ARRAES
- No "Auto" eu filmei muito na cidade e um pouquinho nos arredores. Na época, a escolha foi mais em função de ser uma cidade de sertão preservada e pelo desafio de filmar uma comédia num cenário dramático. Em "Romance" eu filmei tudo na paisagem, mesmo, em volta do Lajedo do Pai Mateus. O lugar é lindo, desperdiçado lá no alto, e de onde se tem uma vista espetacular do sertão. O lajedo é um pedrão enorme com umas pedras redondas em cima, que parecem ter sido colocadas ali por astronautas. Uma paisagem muito exótica, original e pouco conhecida. É como você conhecer o deserto do Saara, sabe? Conhecer o lajedo é enriquecer o seu vocabulário de paisagens.

FOLHA - Quando o personagem Pedro é chamado para fazer uma adaptação de "Tristão e Isolda" para o Brasil, ele resolve filmar no Lajedo do Pai Mateus. De onde surgiu a idéia de usar o sertão como cenário para um conto medieval?
ARRAES
- Há muitas conexões possíveis entre o Nordeste e a Idade Média européia. Por várias razões. A primeira é de influência, mesmo. Quando os navegadores chegaram aqui, trouxeram parte dessa cultura.
E no Nordeste isso ficou mais preservado. O sistema agrário sertanejo, considerado semifeudal até pouco tempo, é herdeiro do medieval. Outros resquícios são os romances de cordel, que citam muitos contos europeus daquela época, e o maniqueísmo religioso. Na versão nordestina para "Tristão e Isolda", os trovadores provençais são os cantadores nordestinos. Os reis e rainhas, os donos de fazenda de gado. Há também um paralelo entre os sertanejos e os cavaleiros medievais. Fora o fato de "Tristão e Isolda" ser um conto trágico, que termina em morte. E a paisagem do sertão se presta muito à tragédia.

FOLHA - Você costuma dizer que é seu filme mais pessoal. Por quê?
ARRAES
- Primeiro porque num filme que conta uma história de amor séria você se expõe mais.
Não o que você viveu, mas, sobretudo, o que você pensa sobre o assunto. Segundo porque ele se passa num meio de atores que circulam entre teatro, cinema, televisão. Na história, tem um diretor que vem do teatro.
Então, a dupla artista-produtor e a discussão arte-indústria são assuntos levantados no filme.

FOLHA - Já na escolha do elenco estava embutida a questão da disputa entre arte e indústria? A maioria dos atores faz cinema e teatro, mas também é global... Foi proposital?
ARRAES
- Quem é global?

FOLHA - Wagner Moura, Sabatella e Brichta, por exemplo, ficaram conhecidos com as novelas da Globo.
ARRAES
- A Letícia é uma atriz que fez basicamente televisão.
Mas o Nanini chegou pronto na TV. O Wagner é um ator misto, que está se formando agora, mas que veio do teatro. O Vladimir é mais ou menos a mesma formação. A Andréia, idem.
Eles vieram de grupos de teatro. É que o público só os conhece pela televisão porque não vai ao teatro. O critério na escolha do elenco é ser um bom ator e se adequar ao personagem. Não importa se é famoso.


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