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São Paulo, domingo, 01 de junho de 2003

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CRÍTICA

Coronelismo audiovisual

XICO SÁ

PRIMEIRO o coronelismo agrário, que ainda mantém as suas sombras no Nordeste e nos grotões -mentais ou geográficos- de todo o país. Depois, um certo coronelismo agroindustrial, repaginado, que controla do suco de caju à Coca-Cola.
Agora vem, claro, um coronelismo simbólico, mas nem por isso menos explícito. Caso das grandes emissoras de TV, corporações que lavaram a égua em várias fontes: à custa das benesses fiscais e dos favorecimentos da ditadura militar, escambo político a torto e a direito e planos de capitalização insistentemente classificados como imorais e ilegais pelo Ministério Público Federal. A exploração da fé dos miseráveis teria sido outro Jordão, melhor, outro Tietê, onde emissoras hoje consolidadas fizeram seus batismos.
E não foi apenas na TV que a casta audiovisual lavou a égua, como diria Câmara Cascudo na sua etnografia afetiva. À custa do mecenato público fortalecido nos últimos anos, sempre de pendor muito iluminista, os caciques do cinema sempre souberam dar o grito mais eficiente desde os brados de d. Pedro 1º: "Patrulha ideológica ou morte", propagaram, às margens plácidas da baía de Guanabara. Quando escutam esse grito, os mecenas sempre sacam, tique nervoso condicionado à Pavlov, um afago fiscal.
Além da concentração, esse grupo consegue obter do governo uma delicadeza que remonta a visão do poeta do século 19. No primeiro alarde de insatisfação, já recebe um dengo de Brasília. Condição especialíssima que precede os anos 800, quando Baudelaire recomendou que atirassem à lama todas as auras dos artistas e ditos artistas. Era chegada a modernidade que teima em não pisar por aqui. Sobram-nos a lata d'água de Serra Talhada, coronelismo que estrebucha, mas não morre, e as latas de filmes do tal coronelismo audiovisual.
Embora não esteja preocupada com problema de aura, a casta televisiva, representada aqui pela Rede Globo, resiste como pode à proposta do governo federal que tenta usar o critério da audiência para a nova distribuição do seu bolo publicitário. O mesmo critério sempre utilizado pela emissora para obter mais dividendos.
Outra resistência braba, agora já envolvendo o conjunto das grandes emissoras, tenta frear o projeto de regionalização dos programas de TV, de autoria da deputada Jandira Feghali (PC do B -RJ). O caso está enrolado desde 1991 no Congresso. Adivinhem por quê? A quem interessa exigir maior produção nos centros fora de Rio-SP, que concentra um percentual em verba publicitária equivalente a quase o dobro do que possui em PIB? No máximo de esforço e compaixão, as grandes emissoras permitem que as afiliadas joguem um bumba-meu-boi na rede, a velha dança da culpa.
Muitos coronéis eletrônicos do Nordeste também estão no lobby do contra. É mais econômico pegar o Faustão e o Gugu e mandar na repetidora. A Abert, entidade que reúne as emissoras, tem uma desculpa mais risível, já que o negócio aqui é o entretenimento: temem que as massas sejam prejudicadas por causa da baixa qualidade dos programas regionais. Despeço-me com uma gargalhada carregada de sotaque.
A COLUNISTA BIA ABRAMO ESTÁ EM LICENÇA



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