São Paulo, domingo, 2 de março de 1997.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CAPA
Globalização gera `mexicanização' de programas da TV brasileira

Divulgação
Elenco da novela "Império de Cristal", apresentada pela CNT


ELAINE GUERINI
da Reportagem Local

Um casal começa a discutir quando o marido se recusa a desligar a televisão. Deitada na cama, vestindo um robe com plumas, carregada de jóias e excessivamente maquiada, a mulher tem um chilique rápido e diz "você não me ama mais", fazendo biquinho.
Essa cena, rodada em cenário de gosto duvidoso -com paredes cor-de-rosa choque- foi extraída de um programa de TV. Quem pensou nos dramalhões "Maria do Bairro", "Prisioneira do Amor" ou "Coração Selvagem", três das seis novelas mexicanas que estão atualmente no ar, errou.
A situação foi apresentada no programa humorístico "Chico Total", da Rede Globo, no último dia 22, em pleno horário nobre. O quadro, com Chico Anysio e Zezé Macedo, é um exemplo do "efeito tequila".
Influenciadas pelas últimas safras de novelas mexicanas exibidas no Brasil, que encostaram nos índices de audiência de programas globais, algumas produções nacionais adotam elementos característicos da TV daquele país -que inclui ainda os manjados humorísticos "Chaves" e "Chapolin", exibidos há 16 anos pelo SBT.
O roteiro de "Salsa e Merengue", a novela das sete da Globo, explora aspectos do melodrama. A caracterização dos personagens é exagerada (muitas vezes, também suas reações) e o texto contém clichês folhetinescos. É só lembrar a cena em que Eugênio (Marcello Antony) descobriu ter sido abandonado pela verdadeira mãe, por exemplo.

Sub-raça
"Recorremos a elementos do dramalhão para compor uma crítica social. A novela mexicana criou uma sub-raça do ponto de vista intelectual. Esse público se tornou incapaz de pensar", diz Miguel Falabella, que escreve a novela em parceria com Maria Carmem Barbosa.
A nova safra de minisséries da Record que estréia amanhã é assumidamente inspirada na teledramaturgia do México. "Logo no primeiro dia de gravação o diretor (Atílio Riccó) pediu uma exteriorização de sentimentos, uma interpretação mais mexicana", afirma a atriz Alice de Carli, 35, que trabalha na minissérie "A Filha do Demônio".

Cílios postiços
Até a novela "Caça-Talentos", dentro do programa "Angélica", da Globo, reflete o "efeito tequila" no quesito produção. A apresentadora desfila com vestidos de festa, diferentes tipos de penteados, cílios postiços e jóias em um cenário deliberadamente esdrúxulo.
"Fazemos isso para que o programa tenha um toque mágico. A produção sempre capricha nas flores e nas cores para lembrar que a minha personagem é uma fada. Isso funciona como um diferencial para as crianças", conta Angélica, 23.
Segundo Bruno Mazzeo, 19, roteirista de "Chico Total", a "mexicanização" do programa é resultado de uma nova proposta adotada pela direção do humorístico. "Daniel Filho introduziu o estilo show. A idéia é mostrar situações irreais, com embalagem extravagante."
O exagero das produções mexicanas também marca presença na TV paga. O pacote Net/Multicanal inclui três canais do país, o Canal de las Estrellas, com programas de auditório e novelas, e dois canais de clipes, o Ritmosom e o Telehit. "Como alguns assinantes reclamam, a idéia é tirar os mexicanos do pacote básico e vendê-los como opcionais", diz Antônio Barreto, diretor de marketing do sistema Net Brasil.
Com a crescente globalização, até atrações bizarras do México chegam à TV daqui. Exemplo recente foi a vinda do menino-lobisomem ao "Domingo Legal", do SBT. Gugu Liberato desfilou com o garoto peludo pelas ruas para exibir a reação do público.
"Há uma admiração mútua entre a TV do Brasil e a do México. Como as duas culturas são latinas e ricas, é natural que nossos produtos sejam bem-aceitos aqui e vice-versa", diz Luis Martinez, consul-geral do México.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright 1996 Empresa Folha da Manhã