São Paulo, Domingo, 04 de Abril de 1999
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CRÍTICA

O príncipe e o rato

FERNANDO DE BARROS E SILVA
Editor interino de Opinião

Para um governo que já entregou o comando da Justiça do país a Iris Rezende, é fato sem dúvida menor a visita do presidente Fernando Henrique aos astros do SBT, na última semana, entre os quais a tradicional Hebe Camargo e o emergente Carlos Massa.
Consta que o almoço com as estrelas do povaréu foi encomendado pela Secretaria de Comunicação Social do governo, empenhada em solicitar uma mãozinha na luta contra o aumento de preços.
Tal pedido talvez fizesse mais sentido se feito ao apresentador do programa "Sucesso", João Dória Jr., ou no "Flash" de Amaury Júnior. De qualquer forma, mesmo errando de endereço, até onde se pode apurar -já que o teor da prosa foi mantido em sigilo-, o presidente não chegou às vias de fato, embora Celso Portiolli tenha saído do evento dizendo que "a gente que tem contato com o público deve levar essa mensagem de otimismo". É esperar para ver.
Do lado do SBT, o encontro retrata e resume a destruição do seu departamento de jornalismo, levada a cabo de forma coerente, transparente e determinada pelo dono da emissora, Silvio Santos.
Do lado de FHC, o significado do encontro talvez ganhe alguma luz se acompanhado de um "flashback" que pode ser ilustrativo.
Em 94, quando Ratinho ainda era um radialista policial em ascensão e ninguém o conhecia fora do Paraná (apesar de já ter sido eleito em 90 deputado federal pelo PRN de Fernando Collor), os convivas de FHC eram outros.
Em dezembro daquele ano, o presidente recém-eleito seria recebido, pouco antes da posse, na casa do editor Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras, em jantar ilustrado que contava com a presença do escritor Mario Vargas Llosa, então candidato derrotado no Peru, além de outros 60 comensais de luxo. Estavam lá Jorge Amado, Caetano Veloso e Arnaldo Jabor. À época, o encontro seria descrito como um autêntico sarau dos novos tempos, uma espécie de aperitivo do menu que iria ser servido ao país sob o reinado tucano.
Acreditava-se, então, (mas quem?, cara pálida), apesar da aliança à direita, que o maior representante da fina flor da elite intelectual paulista, o príncipe da sociologia, o nosso Sartre (lembram-se?), iria dobrar na lábia a truculência do PFL e enfim civilizar o capitalismo brasileiro. Abriria-se um novo ciclo histórico para o país, com desenvolvimento e integração social -uma quimera.
Ao contrário de Ratinho, Fernando Henrique deve ter certa nostalgia daqueles tempos, quando recebeu em primeira mão do editor Luiz Schwarcz um exemplar de um belíssimo livro ilustrado do antropólogo Claude Lévi-Strauss, ironicamente intitulado "Saudades do Brasil" -vejam só.
Entre o jantar com a intelligentsia e o almoço com as estrelas o Brasil de fato mudou, mas não como estava previsto no figurino e não necessariamente para melhor.
O declínio de FHC ( ou do sonho tucano) e a ascensão de Ratinho (ou deste Brasil) não são apenas contemporâneos, mas têm implicações mais profundas. Não é preciso acreditar que a história da República possa ser escrita a partir de notas de rodapé e colunas sociais inspiradas em jantares e convescotes para perceber tal imbricação.
FHC, de alguma maneira (ainda a ser melhor estudada), ajudou a despertar do limbo histórico um Brasil com o qual não sabe lidar e para o qual não tem nada o que oferecer uma vez que veio à tona.
O socorro que o presidente foi pedir aos porta-vozes daqueles que estão sendo desintegrados pela realidade mas integrados virtualmente pela mídia era o que faltava para mostrar que a utopia do possível ficou restrita às ilusões daquele jantar e tinha o tamanho da praça Morungaba.
O tiro saiu pela culatra. Feitas as contas, ACM e Ratinho é que sempre farejaram do lado certo. Como aliás qualquer leitor minimamente atento de jornal já sabe faz tempo.


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