São Paulo, domingo, 5 de janeiro de 1997.

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Inquisição tolerou efeminados, diz pesquisador

da Reportagem Local

Efeminados como o Zé Mulher de ``Xica da Silva'' podem até parecer estereótipos, mas eles existiram e ``tiveram espaço'' em Minas Gerais, no século 18.
A conclusão é do antropólogo Luiz Mott, presidente do Grupo Gay da Bahia, professor da Universidade Federal da Bahia e autor, entre outros, do livro ``O Sexo Proibido - Gays, Virgens e Escravos nas Garras da Inquisição'' (editora Papirus).
Segundo o pesquisador, ``havia espaço para negros ou brancos desenvolverem comportamento até ostensivamente efeminado, como esse Zé Mulher''.
Primeiro, porque a população de Minas Gerais, na época, era predominantemente masculina. ``O desequilíbrio sexual permitia aflorar uma sexualidade muito diversificada, atípica, bestialista'', diz, baseado em pesquisa junto aos arquivos da inquisição.
Mott afirma que ``havia uma certa tolerância'', pelos inquisidores, com os hermafroditos ou ``mafroditos'', como eram chamados os efeminados.
Mott cita o caso de um sacristão de Sabará que ``foi acusado de ser extremamente devasso''.
``O padre da freguesia do sacristão escreveu uma carta a Lisboa dizendo que se tratava de um beato muito piedoso, dono do mais rico presépio da cidade, e que tinha o costume, de vez em quando, de, segundo expressões do vigário, fazer algumas pulsões nos órgãos genitais dos rapazes. E o padre considerou que não era matéria tão grave que merecesse um processo. Não aconteceu nada, de fato'', conta.
Ao todo, Mott encontrou nos arquivos do Santo Ofício mais de 30 processos de moradores de Minas Gerais (mais de cem no Brasil) acusados de sodomia, mas ``só dois ou três (pelo menos dez no país) chegaram a ser presos, um deles era padre''.
A inquisição foi mais cruel com judeus. Segundo Mott, cerca de 500 judeus no Brasil foram denunciados, dos quais 200 acabaram presos e 20, queimados.
Os acusados eram julgados em Portugal, diferentemente de ``Xica da Silva'', em que o julgamento de Zé Mulher será feito pelo contratador, no Brasil.
Segundo Mott, comissários do Santo Ofício faziam espionagem no Brasil e mandavam informações a Portugal.
O processo era lento. Em Portugal, a mesa inquisitorial do tribunal examinava a documentação e, se julgasse que havia indícios de sodomia, determinava ao comissário (no Brasil) que fizesse um inquérito e interrogasse várias pessoas secretamente.
Caso se confirmassem as denúncias, o processo voltava a Lisboa. Lá, os inquisidores analisavam, novamente, se havia indícios. Só então determinavam a prisão, o sequestro dos bens e a deportação para Lisboa, onde havia um julgamento final. A pena variava do açoite à morte.

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