São Paulo, domingo, 05 de março de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

BAIXO NÍVEL
Programas como "Ed Banana" e "Festa do Mallandro" mostram atrações com cobras e lagartos e promovem lutas no gel com garotas de biquíni
Brincadeiras de mau gosto infestam a TV

Guilherme Maranhão/Folha Imagem
Apresentador Edilson Oliveira, do 'Ed Banana' (record), venda os olhos de garota da platéia, que tem de tatear bichos


ERIKA SALLUM
DA REPORTAGEM LOCAL

D E garotas de biquíni lutando em um ringue de gel a competições com crianças de 4 anos para ver quem bebe primeiro oito copos de refrigerante, os programas da TV brasileira estão cada vez mais recheados de atrações absurdas. É um festival de mau gosto.
Encabeçando a lista, está "Ed Banana", exibido de segunda a sexta, às 21h50, na Rede Record. O programa estreou no início de janeiro, com a função de ocupar o horário da "Escolinha do Barulho", que estava de férias. O sucesso foi tanto que a emissora decidiu manter a atração, que chega a atingir picos de 12 pontos no Ibope (cada ponto equivale a cerca de 80 mil telespectadores na Grande São Paulo).
Com produção precária -ao custo de R$ 40 mil por mês, um orçamento muito baixo se comparado, por exemplo, ao global "Megatom", que por semana gasta US$ 60 mil-, "Ed Banana" vem conquistando o público com brincadeiras como a das urnas com lagartos, cobras e aranhas. Nesse quadro, uma pessoa vendada tem de adivinhar qual animal está tateando. Nada original, pois a fórmula já foi usada por programas como o "Topa Tudo por Dinheiro", do SBT -mas, no caso de "Ed Banana", a "brincadeira" se tornou o ápice.
"Não acho que esse quadro seja apelativo. Mostrar mulher pelada ou desgraças humanas é muito pior, coisa que jamais fizemos aqui. Além disso, nossos animais são cuidados por um biólogo", diz o diretor Felipe Rigueiro. Para o apresentador e ator Edilson Oliveira, o "Ed Banana" em questão, "o ser humano é feito para ter contato com a natureza, e a brincadeira estimula isso".
Não é a opinião de Marco Ciampi, presidente da Arca Brasil (Associação Humanitária de Proteção e Bem-Estar Animal): "Esse tipo de atração é um desserviço e um desrespeito com esses bichos. Uma brincadeira sensacionalista e sem educação até com os próprios movimentos de proteção aos animais".
Outro exemplo de mau gosto é "Cassino Dance", exibido aos domingos, às 20h, na CNT/Gazeta. O programa, que entrou no ar no final de 99, tem como um de seus trunfos a "garota constelação", uma menina de biquíni com planetas pintados pelo corpo. Em uma das brincadeiras, ela segura na boca uma bexiga amarrada em um barbante. Dois voluntários da platéia prendem, também na boca, as pontas do fio. Vence quem "comer" o barbante mais rápido e alcançar o rosto da moça.
Em outra brincadeira do "Cassino Dance", dois rapazes do auditório têm de enfiar a cara em um prato de farinha para encontrar a aliança da "noivinha" -espécie de Tiazinha vestida de espartilho branco e véu. O ganhador leva para casa um "Elisbelt", aparelho para modelar o corpo divulgado pela Feiticeira.
"Hoje a TV está muito parada. Queria uma brincadeira dinâmica, que mexesse com o público", afirma Antony Cassino, o criador e apresentador do "Cassino Dance". "Mas tenho consciência de que, mais do que a brincadeira em si, o que chama a atenção das pessoas é a mulher. Vivemos em um país machista, e é o corpo dela que vende."
Fechando o programa, há ainda a luta de duas modelos de biquíni em um ringue de gel. O quadro não é exclusividade de "Cassino Dance": a "Festa do Mallandro", também da CNT/Gazeta, deve muito de seus 7 pontos de média no Ibope à peleja entre duas garotas que se lambuzam em uma gosma azul.
O programa, famoso por suas pegadinhas de gosto duvidoso, traz ainda o conhecido concurso de calouros. Mas com um toque diferente: quem cantar mal pode provocar a "ira" do apresentador Sérgio Mallandro, que joga no candidato baldes de água, farinha, tomates, ovos e até cobre seu rosto com fita crepe. Esse quadro está no ar há três semanas.
"O Sérgio avisa aos calouros que tudo pode acontecer. Eles topam de livre e espontânea vontade. É como se eu falasse que te jogo do 12º andar se você quiser", diz o diretor Ivan Ferreira.
Mas brincadeiras absurdas não são privilégio apenas dos programas para adultos. Um dos campeões no quesito "nonsense" é o infanto-juvenil "Passa ou Repassa", que o SBT transmite de segunda a sexta, às 16h45.
Apresentado por Celso Portiolli, é um "game show" no qual escolas se enfrentam. Entre os desafios, está o quadro "Salada Russa". Nele, um estudante coloca uma tigela na cabeça, onde são depositados repolho, pimentão etc. Cobrindo tudo isso, um líquido que se parece com maionese. Ganha quem cumprir a prova primeiro. Há também um bloco com perguntas -quem errar leva uma torta no rosto-, como "Qual o nome dos cinco apresentadores do programa "Fantasia", do SBT?".
"O povo em casa tem de ter circo. Esses quadros são o lado pastelão do programa. Mas também ensinamos muito", conta o Valter Leite, diretor do "Passa ou Repassa".
Para a psicóloga Ana Olmos, uma das fundadoras da ONG TVer, que estuda e reflete o conteúdo exibido pela TV brasileira, "o fato de uma emissora ser comercial não justifica entretenimento de tão baixa qualidade". "Jogar torta na cara de criança que não acerta uma pergunta é degradante. E mostrar garotas lutando no gel desqualifica e humilha a mulher. Os diretores desses programas precisam ter consciência de que são responsáveis pelo que apresentam."


Texto Anterior: Maratona musical: Globo quer evitar pagode e sertanejo em festival
Próximo Texto: Bebês são atração do "Fantasia"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.