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Escritores e adaptadores falam das mudanças que a obra literária sofre ao ser transposta para a televisão
Metamorfoses
FERNANDA DANNEMANN
DA REPORTAGEM LOCAL
APESAR das "mulheres absolutamente liberadas sexualmente", como diz, a escritora Letícia Wierzchowski, 30, autora do livro que deu origem à minissérie "A Casa das Sete Mulheres", exibida pela Globo atualmente, afirma estar
feliz com a adaptação de seu livro.
"O romance é mais fiel à época, quando as mulheres não iam para a cama com
qualquer homem com tanta facilidade.
Mas entendo a dinâmica da TV", diz.
Embora muita gente reclame que as
adaptações são diferentes dos originais,
autores e adaptadores dizem que a fidelidade total é impossível. "O compromisso do adaptador é com a eficiência", afirma Maria Adelaide Amaral, que, ao lado
de Walter Negrão, adaptou "A Casa...".
Negrão, que transformou "Os Miseráveis", de Victor Hugo, em novela da
Band, afirma que a liberdade é essencial.
"O livro tem 300 páginas; a novela, 6.000.
Ele é uma sinopse com muitas descrições
psicológicas. TV precisa de mais ação."
Ao converter "Sinhá Moça", de Maria
Dezonne Pacheco Fernandes, em novela,
Benedito Ruy Barbosa mudou tudo.
"Dei ênfase à abolição da escravatura. No
livro, era pano de fundo."
Quando a obra literária foi relançada,
na época da novela, Benedito lembra que
houve decepções. "Teve gente que reclamou, porque queria ler a história da televisão", diz ele, às risadas.
Fidelidade
Com vários romances
adaptados, Jorge Amado ficou conhecido até numa longínqua vila portuguesa
por causa de sua "Gabriela", levada à TV
por Walter Jorge Durst.
Zélia Gattai, viúva do escritor, conta
que, quando a novela foi veiculada em
Portugal, conheceu num vilarejo um menino, dono de um gato chamado Nacib.
"Por que esse nome?", ela quis saber.
"Porque é macho. Se fosse fêmea, seria
Gabriela", foi a explicação. "A novela foi
perfeita, não mudaram nada", diz.
Ao contrário de Amado, que não gostava de assistir às adaptações de suas
obras, Zélia não perdeu nada de "Anarquistas, Graças a Deus", baseada em livro seu e veiculada na Globo em 1983.
"Claro que não deu para ser 100% fiel,
mas adorei".
Agnaldo Silva, que adaptou três obras
de Amado, diz ter sido fiel ao pensamento do autor. "Na TV, a linguagem tem
que ser repetitiva e sem sutilezas. A minissérie é um desafio, não podemos errar
e consertar depois. Se o livro for antigo, a
adaptação tem que ser do ponto de vista
contemporâneo", explica.
Foi o que Manoel Carlos fez com sua
"Presença de Anita", inspirada no livro
de Mário Donato. "A história se passa
em 1946, e, ao trazê-la para os dias de hoje, refiz os perfis dos personagens".
Mas o público também se emociona
com histórias de época. "Éramos Seis",
romance de Maria José Dupret, adaptado pela Tupi, em 1977, e depois pelo SBT,
em 94, tornou-se um marco da teledramaturgia brasileira.
Autor da versão de "O Primo Basílio",
de Eça de Queiroz, para a Globo, em
1988, Gilberto Braga diz que, com Leonor Basséres, buscou a fidelidade. "A
adaptação fiel é um exercício de humildade. Tentei imaginar como o Eça contaria aquela história na TV", diz ele.
"Escrava Isaura", baseada em obra de
Bernardo Guimarães, Braga não vê como adaptação: "Tomei muitas liberdades, a novela teve cem capítulos, dos
quais inventei uns 90. O bom é que muitos foram estimulados a ler o romance".
Luis Fernando Veríssimo, cujas crônicas deram origem a "Comédias da Vida
Privada", só vê benefícios na adaptação.
"É bom para a TV, que pega um texto
pronto como base; para o autor, porque
o livro é promovido; e para o público."
Fã de "O Tempo e o Vento", exibida
em 1985 e inspirada na obra de seu pai,
Érico Veríssimo, o escritor achou "Incidente em Antares" (94), do mesmo autor, muito "caricata".
Vendas
A dramaturgia inspirada
na literatura tem o mérito de movimentar as livrarias. "A Casa das Sete Mulheres", lançado em abril de 2002, vendeu,
até a estréia da minissérie, menos de 13
mil exemplares. Após chegar à TV, ultrapassou os 30 mil em três semanas.
No mês em que a minissérie "Agosto"
(93) foi exibida pela Globo, o livro de Rubem Fonseca teve mais 30 mil exemplares vendidos. "Memorial de Maria Moura", da imortal Rachel de Queiroz, lançado em 1992, havia vendido 5.000 exemplares até maio de 94. Durante a minissérie, a vendagem dobrou. Hoje, está em
mais de 40 mil.
Apesar das modificações -inclusive no desfecho, já que, no livro, Maria Moura é vitoriosa na batalha final, e, na TV, leva um tiro fatal-, Rachel adorou.
"Eles não mudaram a história; adaptaram, e muito bem. O texto escrito diverge frontalmente daquele destinado à
imagem. Mas tudo o que divulga o trabalho de um autor deve ser recebido com
agrado", afirma.
Nem todos concordam. Lygia Fagundes Telles, também imortal, se diz frustrada com a versão de "Ciranda de Pedra", seu livro de 1954 que virou novela
em 1981. "Tiraram os elementos mais
fortes. Uma personagem lésbica declarada acabou até se casando. Mas também
ativou a vendagem. Televisão é uma divulgação extraordinária", diz ela.
Sobre os valores pagos pela Globo, que
mantém segredo, Lygia afirma: "Pagar
bem, eles não pagam". "Pagam super
pouco", diz Letícia Wierzchowski. "Alegam que vamos ganhar bastante com a
venda nas livrarias."
E há os retumbantes fracassos. "Brida",
best-seller de Paulo Coelho, foi o maior
fiasco da extinta TV Manchete: apesar
das chamadas com a informação -falsa- de que a adaptação televisiva também era obra de Coelho, o novelão não
chegou ao fim. A emissora morreu antes.
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