São Paulo, domingo, 09 de junho de 2002

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ALVOS FÁCEIS

Caso Tim Lopes evidencia desproteção de repórteres

"Nem quando cobri guerra me senti tão vulnerável", afirma ex-colega do jornalista da Globo que hoje vive escondida dos traficantes

CARLA MENEGHINI E RODRIGO DIONISIO
DA REPORTAGEM LOCAL

"HÁ DUAS semanas, perguntei a ele como tinha coragem de fazer essas matérias investigativas apesar de todo o risco, e ele respondeu: eu gosto muito do que faço." É assim que o presidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio, Nacif Elias Hidd, conta seu último encontro com o repórter Arcanjo Lopes, 51, conhecido como Tim Lopes, da TV Globo, que desapareceu domingo passado, quando fazia uma reportagem na favela Vila Cruzeiro, na Penha (zona norte do Rio). Partindo de uma denúncia de moradores da favela, o jornalista investigava um baile funk onde haveria consumo de drogas e sexo explícito envolvendo adolescentes.
No dia seguinte ao desaparecimento, uma equipe de policiais encontrou cinzas, um dente e pedaços de uma mandíbula de um corpo carbonizado no alto da favela, que foram encaminhados para análise. Até o encerramento desta edição, não havia confirmação se é do jornalista.

Desproteção O desaparecimento de Tim Lopes não é um caso isolado. A jornalista Cristina Guimarães, ex-companheira de trabalho de Lopes na TV Globo, vive escondida há mais de seis meses devido às ameaças que diz ter sofrido em retaliação a uma reportagem investigativa que realizou na favela da Rocinha, no Rio. "Continuo fugindo, não tenho paz", disse Cristina à reportagem na última terça-feira. "A gente faz essas reportagens na cara e na coragem. Ele foi lá no morro sozinho, acompanhado apenas por um motorista. Eu ia só com um motoqueiro. Nem quando cobri guerra me senti tão vulnerável. A gente tem liberdade de imprensa, mas ninguém protege a gente. Para o Tim provavelmente vai restar virar nome de sala lá na Globo." Em outubro do ano passado, um jornalista da emissora ficou durante 48 horas sequestrado, pois traficantes queriam saber dele os nomes dos responsáveis pela série de três reportagens "Feira de Drogas", exibida no "Jornal Nacional", sobre a venda de entorpecentes a céu aberto na favela da Rocinha (zona sul do Rio). A série, de autoria de Cristina Guimarães e de mais três profissionais, entre eles Lopes, recebeu o Prêmio Esso Especial de Telejornalismo em 2001. Cristina diz ter recebido ameaças e sido perseguida diversas vezes e, após saber desse sequestro por uma nota publicada no TV Folha, deixou a emissora carioca e passou a viver escondida. Ela afirma estar esperando o resultado de dois processos movidos contra a TV Globo, um para receber seus direitos trabalhistas e outro por danos morais. Quanto ao ocorrido com Lopes, afirma que um fato assim já devia ser esperado. Segundo Cristina, tanto as ameaças que sofreu quanto o desaparecimento de Lopes têm ligação com as atividades do Comando Vermelho no Rio. "Tenho medo que ele possa ter sido torturado e dado o nome das pessoas que participaram das reportagens. Ele não teria como dizer onde podem me encontrar, mas há outras pessoas envolvidas." O diretor da Central Globo de Comunicação, Luiz Erlanger, afirma que a emissora adota "regras rígidas" de segurança. "Tim Lopes foi à favela duas vezes antes, sem câmera, para fazer um reconhecimento e mantinha o motorista em contato num ponto determinado", diz. Segundo ele, outros procedimentos visando a segurança dos repórteres que fazem esse tipo de reportagem são adotados. "Mas não revelamos por razões óbvias". Para Erlanger, "seria uma precipitação pensar em mudanças nos procedimentos antes da conclusão do caso".

Protestos O desaparecimento de Lopes mobilizou diversas entidades, tais como a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), a ABI (Associação Brasileira de Imprensa), o Sindicato dos Jornalistas do Rio e a ONG Repórteres Sem Fronteiras.



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