São Paulo, domingo, 09 de junho de 2002

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ENTREVISTA / DARIO

Dadá parou no ar (e ficou)


O que a Globo exige é que a gente fale o português corretamente (...) Nome de jogador polonês, eu não falo nem por um milhão de dólares"


Quando jogava, o artilheiro Dario dizia que só três coisas paravam no ar: o beija-flor, o helicóptero, e ele, ao pular para cabecear uma bola. Irreverente, ficou famoso por frases como "Você traz a problemática que eu dou a "solucionática'". Nesta Copa do Mundo, escalado pela Globo para comentar as partidas da madrugada, ele vem sendo uma atração à parte, com frases como: "A Inglaterra arriou a mochila" (cansou).

MARCELO BORTOLOTI
FREE LANCE PARA A FOLHA

Como começou a carreira de comentarista?
Nunca pensei em ser locutor. Eu tenho a voz de pato, sou um cara desligado e não leio nada sobre futebol. Mas, certo dia, uma emissora lá em Belo Horizonte me convidou, dizendo que eu tinha carisma e que o povo queria ouvir o Dadá. Então comecei a trabalhar e fui aprendendo com os outros comentaristas. Fiz um sucesso tremendo, até que me chamaram na Globo Minas. Lá, tive um entrosamento muito bom. E a coisa foi crescendo, fui escalado na Copa Sul-Minas, e a repercussão chegou até o Rio. Depois, fiz alguns comentários com o Galvão Bueno, a turma ficou encantada, e vim para esta Copa.
Como é trocar a noite pelo dia?
Essa coisa de madrugada para mim é muito complicada. A sorte é que o meu sono costuma vir de duas às quatro, que é geralmente quando acontece o primeiro jogo. E neste jogo existe aquela empolgação de estar chegando, então eu não durmo. Porque, para fazer comentários na hora, você tem que ter reflexo. Para não perder a jogada, eu estou sempre atento ao momento em que o locutor vai chamar o Dadá. Enquanto o jogo está correndo, eu fico mexendo com as mãos e com a boca, abro e fecho os olhos. Até que ele chama: "Dadá".
Você se sente tão confortável dentro do estúdio quanto se sentia no campo?
Quando eu era jogador, dizia para os repórteres que sentar o pau na gente é fácil, fazer é que é difícil. Agora que eu deixei de ser vidraça para ser estilingue, estou vendo o quanto é complicado. Estou pagando pelo meu passado. Eu dizia que não existe gol feio, o feio é não fazer gol. Mas, no campo, se eu desse de canela tudo bem; na TV, não posso dar de canela. Como jogador, eu era maluco, dizia que parava no ar, só dependia de mim.
A Globo faz alguma exigência ou restrição quanto a seus comentários?
O que a Globo exige é que a gente fale o português corretamente. Estou tomando um cuidado muito grande, porque eu sou faminto para comer "esses". Se bobear, acabo dizendo "onze jogador". Outra coisa é a palavra "problema", que eu costumo falar "pobrema". Eu tenho que me policiar. E os espectadores mandam fax dizendo que o cara é burro, que não sabe nem falar. Por exemplo, esses nomes poloneses aí, para mim, são muito difíceis. Os mexicanos tudo bem, mas polonês e alemão, aí já estão querendo ferrar o Dadá. Nome de polonês, eu não falo nem por um milhão de dólares.
O que você acha da atuação dos ex-jogadores como comentaristas?
Na prática, os ex-jogadores foram excelentes, mas, na teoria, sempre deixamos a desejar. Uns por falta de humildade, por acharem que, porque jogou bola, sabe de tudo.
O público tem dado retorno?
Quando passo na rua, as pessoas param para me elogiar. Acho que o torcedor já tem mil motivos para estar triste: o desemprego, a desunião etc. Então, quando aparece um cara que joga a coisa para cima, o povo se apega. Na rua, eles me pedem conselho. Perguntam até sobre problema familiar.
O velho Dadá continua sendo uma figura polêmica?
Eu tive várias discussões na minha carreira. Mas, agora, não brigo mais, porque já passei da época de correr atrás de elogio. Nem meus filhos querem ouvir minhas histórias. Eu hoje tenho que contar para os meus netinhos. Então não vou ficar saturando o povo de ouvir Dadá. Só que não tolero mentira. Outro dia, disseram na televisão que o Pelé era o melhor cabeceador do mundo. Aí eu fiquei bravo e liguei para lá. Porque, naqueles treinos da Copa de 70, no lugar que ele botasse a cabeça eu botava o peito. Ele era o melhor no conjunto, mas cada um tinha o seu valor.
E no que você se destacava?
Ninguém tinha impulsão igual, nem velocidade e nem presença de área. Mas, para dar canelada e tropeçar na bola, igual ao Dadá também não tinha. Eu era o campeão. Nenhum jogador fez mais gol de bico e de canela que eu.
E que tal o time do Brasil?
Eu, como brasileiro, estou torcendo, mas o que a gente vê na televisão é assustador. Quando cruzam a bola na área do Brasil, parece que vai acontecer algum desastre, vai ficar algum corpo estendido no chão. É um desespero só. Mas eu não os culpo, os jogadores treinaram apenas 18 dias para o Mundial.
Você gostaria de ter ido para a Coréia e para o Japão?
Eu queria ter ido por causa de currículo e cultura, mas Deus é tão bom que me deixou onde eu deveria estar. Lá, eu iria ser o rabo da baleia, e aqui eu sou a cabeça do bagre. Estou sendo muito mais aproveitado.



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