São Paulo, domingo, 10 de setembro de 2000

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RELIGIÃO
Católicos e evangélicos proporcionam 82 horas semanais de programas dedicados à fé; precárias, atrações atingem no máximo 2 pontos no Ibope
TV se transforma em templo eletrônico

Moacyr Lopes Junior/Folha Imagem
Missa de inauguração da Rede Vida, em 95


CLÁUDIA CROITOR
ERIKA SALLUM
DA REPORTAGEM LOCAL

A TV BRASILEIRA conta hoje com 18 programas religiosos, além de dois canais UHF quase inteiramente dedicados a esse tema (Rede Gospel e Rede Vida). Da Igreja Adventista do Sétimo Dia à poderosa Igreja Internacional da Graça de Deus -que possui atrações na Rede TV!, Gazeta, CNT e Bandeirantes, inclusive no horário nobre-, é possível assistir, em apenas uma semana, a mais de 82 horas de missas, cultos, pregações, exorcismos. Se não atingem um índice significativo de audiência, não chegando a ultrapassar picos de 2 pontos no Ibope (cada ponto equivale a 80 mil telespectadores na Grande São Paulo), esses programas pelo menos comprovam que a TV se tornou, definitivamente, uma arma poderosa para as religiões.
"Jesus disse: "Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho". E falou a seus discípulos: "O que falo ao pé de seus ouvidos vocês podem anunciar de cima dos telhados". Isso é profético, já que é no telhado que fica a antena de TV", afirma o publicitário e pastor Hideraldo Tagliarin, apresentador do programa "Paz e Vida", que há seis meses vem sendo exibido, às 8h30, aos domingos, pela Gazeta.
A atração é ligada à Comunidade Paz e Vida, que, em apenas cinco anos de existência, já possui 103 igrejas na cidade de São Paulo. "Temos de usar todos os meios para propagar a paz do Evangelho", afirma o pastor.
Para a doutora em antropologia Regina Novaes, que faz parte do Iser (Instituto de Estudos da Religião), a presença de programas religiosos na TV faz parte do contexto da sociedade atual: "Vivemos em uma sociedade midiática, de informação. Então, é muito natural que a religião use recursos da comunicação de massa para se difundir".
Apesar de pertencerem às mais variadas religiões, esses programas têm diversos pontos em comum: precários, são poucos os que apresentam alguma qualidade técnica. Além disso, quase sempre são transmitidos em horários ingratos, entre 5h e 8h -período mais barato para locação nas emissoras.
Entre eles, há uma surpresa: o dominical "Fé para Hoje", da Igreja Adventista do Sétimo Dia, que há 35 anos é exibido na TV. Atualmente transmitida pela Gazeta, às 8h45, a atração tem 15 minutos de duração e estreou em 25 de novembro de 1962, na extinta TV Tupi. Desde o início, ela tem como diretor e "orador" o pastor Alcides Campolongo, de 75 anos, que, além das atividades ligadas à igreja, também ministra o curso "Como Parar de Fumar em Cinco Dias".
"Resolvemos criar um programa de TV para ajudar as famílias brasileiras. Além dos ensinamentos, também fazemos edições especiais sobre o Dia das Mães, Natal etc. E ensinamos as pessoas a largar o vício do cigarro.", diz ele. "Acredito que a TV tem ajudado a nos aproximar das pessoas, pois recebemos em média 150 cartas e telefonemas", afirma o pastor Campolongo, que, jura, tem uma audiência de "mais de 250 mil pessoas".
Ibope, aliás, é uma palavra complicada ao se falar dos programas religiosos: "Em geral, eles atingem, no máximo, meio ponto no Ibope, o que é considerado traço. O único que consegue um pouquinho mais é o missionário R.R. Soares, que tem um programa às 19h30 e marca picos de 2 pontos. Mas isso não importa muito para eles, já que têm um público bastante específico e fiel ao programa", afirma Reginaldo Andrade, gerente de marketing da Gazeta.
Andrade não revela quanto custa locar um horário na Gazeta, mas, para ter uma noção, 30 segundos na emissora valem R$ 2.500. "Apesar de a locação de nossos horários não estar dentro de nossa meta como emissora, eles nos trazem, hoje, um bom retorno financeiro, que vale a pena", diz ele.
O gerente se refere, especificamente, à Igreja Internacional da Graça de Deus, que, além de ter um programa diário de duas horas, o "Igreja da Graça", ainda ocupa, de segunda a sexta, uma hora e 15 minutos da programação da emissora, a partir das 19h30, com a atração "R.R. Soares". A sigla significa Romildo Ribeiro Soares, nome do fundador da igreja, que completou este ano duas décadas de existência. Ex-integrante da Igreja Universal, o "missionário" Soares aparece em atrações religiosas na TV desde 1977 e protagoniza boa parte do programa da Gazeta. Enquanto fala a um templo lotado, vão aparecendo na tela endereços de suas filiais, que, do Acre ao interior de São Paulo, dão uma idéia de seu poder.
Igualmente poderosa, a Igreja Universal do Reino de Deus, comandada pelo bispo Edir Macedo, ocupa boa parte das madrugadas e manhãs da programação da Rede Record e da Rede Mulher, das quais é proprietária.
"Mas, ao contrário do que muita gente imagina, a programação religiosa é totalmente independente da emissora. Boa parte dos programas é feita em estúdios localizados fora da Record. Todo o conteúdo é decidido pelos bispos da igreja. Apenas repassamos as fitas para a Record transmitir", explica o pastor Denir Vieira, responsável pela produção de programas como "Ponto de Fé", "Despertar da Fé" e "Palavra de Vida", que vão ao ar diariamente na Record.
Apesar de mudarem de nome, os programas têm quase sempre o mesmo conteúdo: um pastor lê a "Bíblia", entrevista pessoas que falam de sua conversão, faz orações pelos telespectadores. "Não queremos necessariamente chamar as pessoas para fazer parte da Igreja Universal. Queremos oferecer ajuda para quem precisa", diz Vieira.
E não são apenas os evangélicos que ocupam seu espaço na TV. Os católicos também marcam forte presença, com uma emissora quase totalmente dedicada a eles, a Rede Vida, fundada em parceria com a Igreja Católica há cinco anos e que tem a maior parte de sua programação dedicada a transmissão de missas, de rezas do terço etc..
"A televisão acaba cumprindo o papel da igreja, muitas vezes. Se alguém não pode ir à missa, se contenta assistindo à TV", diz a antropóloga Regina Novaes.
João Monteiro, fundador da Rede Vida, confirma a tese. "Jamais transmitimos missas gravadas. As missas são sempre ao vivo, para o telespectador poder participar."


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