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CRÍTICA
O padrão Record de qualidade
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Editor-adjunto de Opinião
Quantos desses astros
populares estariam tão à
vontade se exibindo no
programa do Ratinho
quanto fazendo as vezes
de galã no dramalhão das
oito da Globo, em casa
tanto no Jardim Botânico
quanto no SBT? Não
muitos. Mas Fábio Jr. está
entre eles, sem dúvida.
É hoje contratado da
Record, onde comanda
um programa bem popular, mas cheio de cuidados e veleidades "artísticas" -meio SBT, meio
Globo.
Esqueça Fábio Jr. Pense
agora em Boris Casoy. Já
se disse que a respeitabilidade que conquistou fala tanto à classe média
quanto ao povão. O seu
bordão - "é uma vergonha"- traduz um tipo de demanda moralista
e moralizante que atravessa fronteiras sociais e
de certa forma está
aquém delas. Meio Globo, meio SBT, Casoy
também está na Record.
E a novela produzida na
casa de Edir Macedo,
"Louca Paixão"? É inominável como as do SBT,
mas o par romântico e a
inspiração também saíram da Globo. O mesmo
se pode dizer do novo
humorístico da emissora,
"Escolinha do Barulho", rústico o suficiente
para agradar o público de
Silvio Santos e próximo
demais de Chico Anysio
para não evocar imediatamente a Globo.
Vistos simultaneamente, esses fenômenos sugerem algo como um estratagema concertado ou,
para falar em termos globais, a gestação de um
"padrão de qualidade",
tal como a Globo consolidou nos anos 70 e que
serviu como instrumento
de coesão nacional sob o
regime militar.
A questão é saber qual o
chão histórico e o pano
de fundo social desse
confuso e embrionário
"padrão Record de qualidade".
O pé na santa do pastor
Von Helder, tão explorado pela emissora há poucos anos, não tem mais
vez nesse novo padrão
-e a saída forçada de
Ratinho rumo ao SBT talvez tenha ajudado a precipitá-lo.
O reinado de Gilberto
Barros como substituto
de Ratinho durou pouco.
Logo o "Leão Livre" foi
aprisionado e hoje se vê
domesticado, mais miando do que rugindo no fim
de noite -parte da estratégia de extingui-lo aos
poucos, sem traumas,
educadamente.
Desde o seu surgimento
agressiva e muito hostilizada, estigmatizada como veículo de uma seita
marginal de vigaristas
mercenários, a Record
enfim percebeu que só
poderia se livrar da marca de nascença imitando
seu maior inimigo. Hoje,
mais do que nunca, parece empenhada em exaltar
valores da família, tão ao
gosto do conservadorismo hegemônico da Globo, como se tivesse, ao
contrário do SBT, algo a
perder.
A Record vai expurgando da programação tudo
que possa ser considerado nocivo, destoante,
marginal, perverso, de
mau gosto. Ela aplica a si
mesma durante o dia o
mesmo tratamento que
receita aos fiéis ao longo
da madrugada, quando
exibe depoimentos de
ex-drogados, ex-homossexuais, ex-alcoólatras e
ex-desempregados e outros "ex" devidamente
salvos pela conversão religiosa.
No caso da emissora, o
"exorcismo" consiste
paradoxalmente em introjetar o demônio (a
Globo) e não mais em esconjurá-lo.
Cria e pulmão da Igreja
Universal, a emissora caminha na direção da laicização de sua programação, adapta-se à lógica
terrena do entretenimento de mercado para oxigenar o protestantismo
popular que lhe deu origem.
A emissora adota para
si própria o mesmo pragmatismo que está na base
do crescimento espantoso da Igreja Universal e
de seu êxito junto aos
fiéis: salvação significa
felicidade terrena e individual via acúmulo de
bens e ascensão social.
O "padrão Record de
qualidade" dispensa a
ideologia difusamente
nacional-popular contrabandeada da esquerda e
posta a serviço do regime
militar pela Globo. Fala
diretamente à família, o
último elo coletivo dos
aflitos que esperam a
conversão pelo mercado.
E-mail: fbsi@uol.com.br
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