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São Paulo, domingo, 11 de maio de 2003

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Crítica - Sérgio Dávila

O perigo da menina que fala besteiras

SÉRGIO DÁVILA

QUANDO uma bomba explode perto demais de uma pessoa, a morte é certa. Morte por despedaçamento e, às vezes, pulverização, primeiro dos ossos. Dependendo da distância, as chances de sobrevivência aumentam. Pode-se ter apenas partes do corpo carbonizadas. Ou ter os membros arrancados, braços, pernas.
Foi o que aconteceu há algumas semanas com o menino iraquiano Ali Ismail Abbas, de 12 anos, que estava no lugar errado (num alvo civil atingido por engano pela coalizão anglo-americana) na hora errada (em Bagdá durante a guerra). Ele perdeu os dois braços e boa parte da família, mãe e pai incluídos.
Estava semimorto num hospital até ser descoberto pela mídia ocidental, que o fez virar símbolo do sofrimento civil que atingiu o povo iraquiano, uma espécie de prova viva de que a "guerra cirúrgica" de que falava George W. Bush é uma expressão tão mentirosa quanto "guerra pacífica".
Articulado, sonhador, gracioso, Ali Ismail Abbas comoveu meio mundo, compreensivelmente, e deve ganhar braços artificiais bancados por dinheiro de doação. Meio mundo, menos a nossa Fernanda Young, escritora de Niterói que frequenta o "Saia Justa", exibido pelo GNT. Num programa recente, ela comentou o caso de Ali Abbas.
"É tudo uma gente velha, preconceituosa, machista. Tem que saquear mesmo, pisar a estátua do Saddam. Se eu estivesse lá, estaria roubando tudo também. Estão fazendo muita euforia com a foto do menino sem braço. Acho mediocrizante. Morro de constrangimento. É apelativo. Tanta criança morrendo de bala perdida no Rio, e ninguém faz nada."
"Estou cagando se estão saqueando a MesopotâNia", concluía seu desarranjo cérebro-intestinal, assim mesmo, com "ene" no lugar de "eme", erro muito comum entre as crianças. Fernanda Young não é criança, nem tão jovem como tenta dizer seu sobrenome tirado do inglês, como as chacretes.
Fernanda Young é perigosa.
Perigosa porque defende e divulga idéias preconceituosas, que são tratadas com risadinhas de "olha como essa menina é rebelde e fala besteiras" por suas colegas de programa. O problema é que, diferentemente de Young, as três são competentes, o que acaba por dar certo ar de "normalidade" à bobajada.
Rita Lee excede comentários, sua importância no rock (no começo) e no pop (depois) nacionais é incontestável. Monica Waldvogel é jornalista de verdade. E Marisa Orth é atriz idem. Mas elas batem palminha para Young. É como se os promotores de uma briga de galo chamassem o Trio Esperança para abrir o espetáculo, para amenizar.
Uma amiga manda uma corrente que anda pela internet relacionada a Young. É uma boneca imaginária, criada aparentemente pelo site www.kibeloco.blogspot.com, que tem o rosto dela e se chama "Barbie fala merda". "Já vem de saia justa!", anuncia a caixinha genial, que traz uma Fernandinha Younguinha com a camiseta com o logo da GNT.
"É a única que faz três declarações infelizes em apenas uma hora!", ensina a embalagem. "Basta apertar o saquinho dela e ela diz: "Sou bonita, não preciso ser inteligente'; "Felicidade é comprar coisas'; e "Só quem tem mau-caráter envelhece!'".
A última declaração, inclusive, rendeu um comentário oportuníssimo no site da jornalista Cora Rónai (cora.blogspot.com), que por sua vez citava um texto de Alexander Zimmer e remetia a outro de Joaquim Ferreira dos Santos feito para o "no mínimo". Recebi tudo numa corrente de e-mail de outra amiga, cuja linha de assunto era "Fernanda Stupid".
Que o menino Ali Ismail Abbas ganhe logo seus braços artificiais e venha ao Brasil dar umas palmadas no intelecto de Fernanda Young, agora rebatizada pela rede.


A COLUNISTA BIA ABRAMO ESTÁ EM LICENÇA



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